Imagine uma grande linha de produção numa fábrica de equipamentos eletroeletrônicos, como smartphones e tablets. Para completar, visualize vastos cordões de trabalhadores, todos uniformizados e operando máquinas. Agora, faça uma mudança: no lugar dos operários, pense num batalhão de robôs. É isso o que deve acontecer numa das maiores fabricantes de tecnologia do mundo, a taiwanesa Foxconn. A companhia, responsável pela fabricação de produtos da Apple, anunciou que pretende comprar um milhão de robôs. Eles substituirão gente de carne e osso em tarefas rotineiras, como a montagem de iPhones e iPads.  

A informação foi dada pelo próprio CEO da Foxconn, Terry Gou. A medida suscita várias discussões, em função da importância da Foxconn no mercado global e das implicações sociais, de negócios e recursos humanos embutidas no projeto. O primeiro ponto a se observar é que a fabricante asiática ficou famosa não apenas por sua grandiosidade – ela faturou US$ 100 bilhões em 2010. A principal razão é o histórico de mortes que a acompanha: duas dezenas ou mais de funcionários tentaram se suicidar no ano passado, jogando-se das janelas dos prédios da companhia. Ao menos 14 deles morreram. Motivo: as péssimas condições de trabalho, com salários paupérrimos, cobranças excessivas e longas jornadas.  

 

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É por acontecimentos desse tipo que a substituição de operários por máquinas foi interpretada por alguns como uma tentativa da Foxconn de acabar com os suicídios em suas dependências. Esse aspecto pode até ter sido levado em consideração. Mas há indícios suficientes para crer que as motivações de ordem econômica e de readequação de mercado são mais fortes. A automatização é uma maneira de driblar o aumento dos custos trabalhistas na China, onde a companhia mantém 1 milhão de funcionários. De quebra, a robotização do chão de fábrica pode aumentar a eficiência e a competitividade no mercado internacional. Há que se considerar também que a economia chinesa procura ingressar numa nova fase, deixando para trás a imagem de fabricante de cacarecos tecnológicos. 

 

Nesse sentido, o país ensaia fazer o que os coreanos fizeram há muito tempo: qualificar sua indústria, investindo em alta tecnologia e design de ponta. A explicação contida no comunicado distribuído pela Foxconn corrobora essa tese. A automação, segundo a empresa, tem o objetivo livrar os trabalhadores das tarefas repetitivas para que possam ocupar posições de “mais alto valor agregado na produção, como pesquisa e desenvolvimento”. A orientação do governo chinês para as empresas do país é exatamente essa. A PhD em economia Cristina Helena de Mello, professora de macroeconomia da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), verificou isso in loco, conforme ela me relatou. 

 

Em visita recente à China, ela ouviu de representantes de universidades e companhias locais que a recomendação do governo é clara: é necessário investir em negócios relacionados à alta performance, que se destaquem pela qualidade. Em outros termos, é deixar de lado os Xing Lings da vida, como se diz popularmente, e se colocar como um país tecnologicamente inovador. Embora ainda seja cedo para saber perfeitamente aonde a Foxconn vai chegar com a “contratação” maciça dos robôs, é plausível pensar que sua estratégia seja pavimentar o caminho para voos mais ambiciosos.