06/04/2005 - 7:00
Discretamente, ao longo de março, o BankBoston iniciou testes com um projeto pioneiro de ?exportação de reais?. Uma modesta quantia de R$ 1 milhão foi remetida ao Canadá e colocada à disposição de turistas canadenses com viagem marcada para o Brasil. Se tudo der certo em pequena escala, virão em seguida os Estados Unidos e a Europa. A novidade, no quase sempre aborrecido mercado de câmbio, é o cartão de visita de Sandra Boteguim, a executiva que assumiu a recém-criada Vice-Presidência de Produtos do banco. Por produtos, entenda-se de conta corrente e talão de cheques a derivativos e todos os tipos de crédito. Tudo reagrupado, há pouco mais de um mês, sob o mesmo guarda-chuva. Ao sentar nesta cadeira, no segundo degrau mais alto do organograma do Boston, Sandra acaba de se tornar a mulher mais poderosa do sistema financeiro nacional ? um meio onde o sexo feminino domina a base e tem bom espaço na gerência, mas quase desaparece no topo das organizações.
?A Sandra é um ponto fora da curva estatística?, atesta Julio Lobos, um consultor corporativo com dois livros publicados sobre mulheres executivas. Seus estudos mostram que as mulheres não passam de 5% dos 1.600 executivos que efetivamente mandam nas 500 maiores empresas do Brasil. ?Gerentes mulheres, você vê aos milhares. Quase um terço das posições executivas estão em mãos femininas?, observa Lobos. ?Mas mulheres com poder para valer são muito poucas.? Há executivas de destaque no mercado, como as diretoras de Responsabilidade Social, Maria Luiza Pinto, e Recursos Humanos, Lílian Guimarães, do ABN, além de uma legião de profissionais de marketing. ?Mas aí não estamos falando do núcleo do poder?, pondera o consultor.
O caso de Sandra é bem diferente. Sob sua vice-presidência, foi alocada uma equipe de 200 pessoas. De longe, a maior que Sandra já comandou em 31 anos de experiência em bancos. Sua carreira começou no Citibank, como office girl. No mesmo banco, ela foi operadora de mesa, profissional de tesouraria e diretora da filial de Blumenau. Em 1989, Sandra teve seu passe comprado pelo Banco Nacional, onde ficou até 1994. ?Foi quando o Boston me chamou para criar uma área de gestão de caixa?, recorda-se. ?O Henrique (Meirelles, ex-presidente do BankBoston e hoje do BC) me disse que queria ser líder do mercado corporativo, onde o banco nem atuava?, lembra ela. Dez anos depois, o BankBoston já ocupa o quarto lugar no ranking nacional de gerenciamento de caixa para empresas, atrás apenas de Bradesco, Itaú e Banco do Brasil. E, ao contrário destes gigantes, faz isso com apenas 87 agências, usando com eficiência os meios eletrônicos.
Esta característica hi-tech do trabalho bancário contemporâneo levou Sandra a buscar, no campo, uma válvula de escape para seu cotidiano de executiva financeira. Ela tem uma fazenda de gado no município de Rio do Sul, em Santa Catarina. ?É uma experiência bem real. Um contraponto ao mundo virtual dos bancos?, compara. Seja em suas botas de vaqueira ou de terninho de banqueira, Sandra acostumou-se a circular em ambientes essencialmente masculinos. ?Nunca me senti discriminada por ser mulher. Nem para o bem nem para o mal?, diz. Sandra sente que é cada vez menor a desconfiança do homem na competência feminina. ?Dizem que, para se destacar, a mulher tem que ser muito melhor que o homem. Eu teria que ser muito egocêntrica para concordar.? O problema, para ela, é outro. Mesmo sendo mãe de quatro filhos, Sandra vê na maternidade o maior obstáculo no caminho de suas colegas até o topo. ?Muitas mulheres não querem abrir mão de um contato mais próximo com os filhos. É legítimo, mas no meu caso foi sempre melhor, porque eles cresceram independentes?, diz. Julio Lobos adiciona outro componente nesta análise. ?A alta executiva brasileira não tem nenhum apetite político?, diz. ?Ela chega ao poder por competência e não lhe passa pela cabeça brigar pela causa feminista nas empresas.? Mesmo sem se queixar do machismo, Sandra está convencida de que a mulher vê as coisas de um jeito diferente. ?Quase tudo o que eu faço é por intuição. De algum modo eu sei quando uma coisa vai dar certo?, exemplifica. Foi assim com a exportação de reais. Será parecido, garante ela, com uma lista de novos produtos com lançamento previsto para os próximos meses.