Entre 5 e 10% dos casos da doença estão relacionados a fatores hereditários, que podem ser rastreados em exame. Câncer de mama é o tipo mais comum entre mulheres, com 73 mil casos e mais de 20 mil óbitos por ano.O câncer de mama é o tipo mais comum entre as mulheres e neste ano o Brasil deve registrar 73.610 novos casos, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca). Apesar dos avanços no diagnóstico e no tratamento, só em 2024 mais de 20 mil mulheres morreram por causa da doença.

Embora a maioria dos casos surja de maneira esporádica, ou seja, sem relação com fatores hereditários, entre 5% e 10% têm origem genética. Isso significa que, em uma parcela das pessoas, o risco está relacionado às mutações herdadas que aumentam a predisposição ao desenvolvimento da doença.

Foi o caso da psicóloga Jéssica Mras Garcia, de 33 anos. Em 2023 ela descobriu que tinha uma mutação no gene BRCA2 que aumenta a chance de o organismo desenvolver tumores malignos, não só de mama, mas também de ovário e pâncreas.

A descoberta dessa mutação no gene ocorreu depois que a psicóloga fez um mapeamento genético, indicado por um oncologista. Na época, a mãe de Jéssica tratava de um câncer de ovário.

“Em 2021 minha mãe foi diagnosticada com câncer e ao longo do tratamento ela comentou com a médica que a minha avó tinha falecido de câncer de pâncreas havia alguns anos. Isso acendeu um alerta e fomos encaminhadas ao geneticista”, recorda Jéssica.

Ela e a mãe fizeram o mapeamento genético. O exame analisa o DNA em busca de alterações em genes específicos, permitindo identificar pessoas que possuem maior risco de desenvolver câncer de mama, mesmo antes de qualquer sinal da doença. A mutação no gene BRCA2 foi encontrada nas duas.

A herança genética e o risco aumentado

As mutações genéticas mais conhecidas associadas ao câncer de mama ocorrem nos genes BRCA1 e BRCA2 (siglas em inglês para gene do câncer de mama 1 e gene do câncer de mama 2). Eles são responsáveis pela reparação de danos no DNA das células. Quando sofrem mutações, perdem parcialmente essa capacidade de proteção, o que aumenta as chances de o organismo desenvolver tumores malignos não só de mama, mas também de ovário, pâncreas e próstata.

Mulheres com mutação no BRCA1 têm de 60% a 80% de risco de desenvolver câncer de mama até os 70 anos, enquanto aquelas com mutação no BRCA2 apresentam risco de 40% a 70%.

Mas os genes BRCA não são os únicos envolvidos. A ciência já identificou outras mutações, como as que ocorrem nos genes PALB2, CHEK2, BARD1, ATM, RAD51C, RAD51D e TP53, que também podem elevar o risco. Por isso, os exames de mapeamento genético mais recentes costumam analisar painéis amplos de genes relacionados ao câncer, e não apenas os dois mais conhecidos.

Mastectomia preventiva

Como a mutação do gene BRCA2 foi identificada em Jéssica, ela foi aconselhada a passar por uma mastectomia bilateral redutora de risco, ou seja, a retirada das duas mamas como forma de prevenir um eventual câncer.

“Na hora que recebi o resultado e que me falaram dessa cirurgia, eu não tive dúvidas, tinha certeza que era isso que eu ia fazer. Eu vi todo o processo de tratamento do câncer da minha mãe e não queria passar por aquilo também”, diz.

Jéssica fez a cirurgia em agosto do ano passado. Segundo ela, as mamas foram encaminhadas para análise e foi constatada a formação de células atípicas, o que significa que ela provavelmente teria câncer de mama em um curto espaço de tempo.

“Nós mulheres sabemos como o seio é importante. Me ver sem peito por um tempo foi bem estranho e assustador. Depois passei por todo o processo de reconstrução mamária, que também é bem complicado e complexo. Mas hoje estou bem e sei que foi a melhor decisão que eu poderia tomar”, diz.

Quando o mapeamento é indicado

O mapeamento genético não é um exame de rotina. Ele é recomendado, segundo a Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica (SBGM), para pessoas com histórico familiar de câncer de mama em parentes de primeiro grau; para pacientes que tiveram tumores bilaterais ou múltiplos casos de câncer de mama e ovário na família; ou ainda quando uma mulher já diagnosticada com câncer apresenta características suspeitas.

“É importante salientar que quem tem que fazer o teste genético são pessoas que têm o histórico da família já testado e os familiares de pessoas que sabidamente carregam esses genes com mutação, como irmãos, pai, mãe e filhos. E todas as meninas e mulheres que tiveram câncer de mama abaixo dos 65 anos e todos os homens que tiveram câncer de mama”, ressalta Fernando Zamprogno, coordenador de Oncologia do Grupo Kora Saúde.

O mapeamento genético é feito com uma amostra de sangue ou saliva, que é enviada a um laboratório especializado. A partir desse material, os profissionais analisam o DNA para verificar a presença de mutações patogênicas conhecidas.

“Se for uma coleta de sangue, o paciente não precisa de jejum. Já a saliva requer que o paciente não tenha ingerido nem água, nem nenhum tipo de alimento nos últimos 30 minutos. Ou seja, é muito simples essa coleta para o teste genético”, explica Allyne Queiroz Cagnacci, oncogeneticista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.

O resultado pode levar de três a oito semanas, dependendo da complexidade do painel genético utilizado.

A predisposição genética para câncer de mama não escolhe sexo. Tanto os homens quanto as mulheres podem ter alterações que aumentam o risco de desenvolver a doença e devem, portanto, realizar o teste genético.

“Se um homem tiver o diagnóstico de câncer de mama, é importantíssimo que ele faça a testagem genética para ver se ele está desenvolvendo essa doença por um fator hereditário”, explica Maira Caleffi, mastologista e presidente voluntária da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama). “Isso pode ser muito importante para o resto da família dele saber, tanto irmãs, quanto filhas e filhos, para que eles possam receber acompanhamento médico.”

Acesso e limitações no SUS

Embora o mapeamento genético seja uma ferramenta poderosa de prevenção ao câncer de mama e outros tipos, o acesso ainda é desigual no Brasil.

Na rede privada, o custo de um exame pode variar entre R$ 1,6 mil e R$ 4 mil, dependendo do tipo de painel genético solicitado. Já no Sistema Único de Saúde (SUS), o teste está disponível em poucos centros de referência.

O estado de Goiás é pioneiro em oferecer o teste genético pelo SUS, e criou a lei 20.707 em 2020 para implementar em todo o estado a oferta do exame genético gratuitamente. O projeto é uma parceria da Secretaria de Estado da Saúde de Goiás com a Universidade Federal de Goiás (UFG), que faz o sequenciamento no Centro de Genética Humana (Cegh).

Pacientes que têm histórico familiar de dois parentes consanguíneos, sendo de primeiro, segundo ou até terceiro grau, que tiveram câncer de mama estão entre os que podem fazer o exame gratuitamente.

Desde o início de 2024 até maio deste ano foram realizados 409 exames gratuitos, que identificaram 73 casos positivos em pacientes e familiares. Todas as pessoas diagnosticadas passaram a ser acompanhadas pelo SUS.

Outros estados como Rio de Janeiro e Minas Gerais também possuem legislações próprias para a oferta do teste genético para prevenção do câncer de mama.

Em setembro, a Comissão de Assuntos Sociais do Senado aprovou o Projeto de Lei 5.181/2023, que garante o acesso a testes genéticos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para mulheres com alto risco de desenvolver câncer de mama, ovário ou colorretal. A proposta será analisada pela Câmara dos Deputados.