29/06/2005 - 7:00
“A venda de equipamentos agrícolas caiu 21% no período janeiro-abril”
“O BNDES, de Mantega, vai bem. Apesar disto, a demanda por crédito caiu”
DINHEIRO ? O setor de máquinas foi o maior beneficiado pela chamada MP do Bem, que reduziu impostos e desonerou as exportações?
NEWTON DE MELLO ? Na verdade, o governo apenas colocou em prática uma antiga tese do setor ao reduzir a alíquota de IPI de 2% para zero, no caso das máquinas e equipamentos. Essa medida faz parte de um programa de desoneração do investimento produtivo como um todo.
DINHEIRO ? É justo limitar a isenção do PIS/Cofins na compra de máquinas a quem exporta 80% da produção?
MELLO ? Eu gostaria que não existisse limite. Mas o governo alegou que a renúncia fiscal seria muito elevada. De qualquer forma, a isenção é importante porque vai baratear em 9,25% o custo de aquisição para os nossos clientes.
DINHEIRO ? O faturamento do setor de máquinas cresceu 39,9% para R$ 45,6 bilhões no ano passado. Qual a expectativa para 2005?
MELLO ? Não é das mais positivas. A desoneração não significa dizer que passaremos a vender mais aqui ou no exterior. O governo apenas corrigiu uma distorção tributária em relação aos demais países. Na minha visão, o grande nó do setor é a questão cambial. Entre nossos clientes, os exportadores estão perdendo lucratividade e quem vende apenas no mercado doméstico está sob ameaça de ver os produtos importados tomar seu espaço aqui no Brasil.
DINHEIRO ? Os números da Abimaq já indicam essa tendência?
MELLO ? Sim. Quatro dos 25 segmentos que compõem nosso setor fecharam em baixa no período janeiro-abril, em relação a 2004. A queda maior aconteceu em máquinas agrícolas (- 21%) e equipamentos petroquímicos (- 19%). Os demais recuaram um por cento. É bem verdade que o segmento como um todo cresceu 10%, por conta de máquinas pesadas (siderurgia e geração de energia) que têm um ciclo mais longo.
DINHEIRO ? Quais os problemas específicos do setor agrícola?
MELLO ? Este é um nicho puxado tradicionalmente por colheitadeiras e tratores usados em culturas intensivas como soja, milho e algodão. Mas com a queda na cotação do dólar, a partir de meados de 2004, esses produtos tiveram o rendimento afetado, fazendo com que os agricultores cancelassem a compra de equipamentos.
DINHEIRO ? O senhor teme a contaminação dos demais setores?
MELLO ? Sem dúvida. Acho que poderemos até mesmo terminar 2005 com uma performance negativa em relação ao ano passado.
DINHEIRO ? O Brasil está deixando de ser competitivo neste segmento?
MELLO ? Sim. Um dos indícios disso é que várias multinacionais do setor, que pensavam em transformar o Brasil em plataforma de exportação de máquinas e equipamentos, suspenderam os planos ou transferiram suas linhas para o México, a China e até mesmo a Índia. A culpa é do ?Sr.? Copom (Conselho de Política Monetária) que por medo do crescimento da inflação elevou as taxas de juros, que já eram as mais altas do mundo.
DINHEIRO ? Ou seja, o senhor considera que o pacote de bondades não foi suficiente?
MELLO ? Não mesmo. Com o dólar a R$ 2,38 não existe produto brasileiro que seja competitivo no exterior.
DINHEIRO ? E qual seria a taxa de câmbio ideal?
MELLO ? Com um patamar abaixo de R$ 2,80 nós exportamos com prejuízo. Além disto, vemos os clientes daqui morrerem por conta do esvaziamento do mercado.
DINHEIRO ? As exportações de máquinas avançaram 38,4% em 2004, apesar dos problemas de câmbio…
MELLO ? Isso é resultado de um longo e penoso trabalho de conquista de novos clientes, iniciado após a desvalorização cambial de 1999. De lá para cá houve um avanço contínuo das vendas externas. Contudo, desde meados do ano passado ? quando o real começou a se valorizar ? notamos que o ritmo de crescimento vem se dando em uma velocidade menor. O Brasil nunca foi um grande fornecedor mundial de máquinas. E como gastamos muito tempo para abrir mercados no exterior é melhor vender com algum prejuízo do que deixar o cliente na mão.
DINHEIRO ? Por que o senhor acha que o governo mantém essa política?
MELLO ? Temos de reconhecer que não é um erro apenas deste governo. Desde a implantação do Plano Real, em 1994, que o Banco Central (BC) passou a adotar sistematicamente taxas de juros elevadas. O que vemos, no entanto, é que isso atrai uma grande quantidade de capital especulativo, pressionando o câmbio e gerando uma ciranda que afeta as próprias contas do governo.
DINHEIRO ? Um BC independente seria a solução?
MELLO ? Não. O que defendo é uma flexibilização maior das metas de inflação e a redução substancial das taxas de juros. Além disso, precisamos de incentivos diferenciados ao capital produtivo para que haja uma comparação favorável, por parte do ivestidor estrangeiro, no momento em que ele optar em aplicar em nosso País. Com isso, é possível baratear o custo da produção, fazendo com que a oferta maior funcione como um remédio natural contra a inflação. Infelizmente, Henrique Meirelles (presidente do BC) e outros economistas discordam. Só que nem ele nem a equipe econômica encontraram uma saída para esse círculo vicioso.
DINHEIRO ? O senhor acha que falta gestão ao governo Lula?
MELLO ? O que falta é definir uma meta, uma estratégia e um plano de governo. O PT mostrou que tinha apenas um projeto de poder. Na China, por exemplo, o governo construiu um ambiente que possibilitou a adoção de um capitalismo baseado na exportação. O PT, ao contrário, fica nessa história de consultar as bases e fazer assembléias, sem que nada se resolva.
DINHEIRO ? A solução, então, seria copiar o que deu certo naquele país?
MELLO ? Não exatamente. O modelo chinês tem um grave defeito que é o seu caráter autoritário. E isso eu jamais defenderia.
DINHEIRO ? E qual modelo o senhor defende?
MELLO ? Poderíamos copiar países asiáticos como Cingapura, Taiwan e Coréia do Sul, que conseguiram se desenvolver depois que seus governos aprovaram leis nos parlamentos transformando suas economias em plataformas de exportação. Para que isso aconteça, contudo, é preciso adotar certos parâmetros em relação ao câmbio e à infra-estrutura. Infelizmente, a visão do ministro Palocci é altamente conservadora e a receita adotada pela equipe econômica vai estagnar a economia brasileira, agravando os problemas sociais e a miséria da população.
DINHEIRO ? Mas isso depende de financiamentos a taxas competitivas. O BNDES está preparado para assumir esse papel?
MELLO ? Apesar das dificuldades operacionais na gestão de Carlos Lessa (ex-presidente do BNDES), o governo Lula nos proporcionou o melhor BNDES dos últimos tempos. O professor Guido Mantega (atual presidente da instituição) está fazendo um ótimo trabalho. Mesmo assim, a demanda por crédito está caindo. Não adianta ter o melhor financiamento do mundo e o melhor preço possível, se o empresário não tem estímulo para aumentar a produção.
DINHEIRO ? O que mais está funcionando bem no governo?
MELLO ? Os destaques são os ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, comandado por Roberto Rodrigues e Luiz Fernando Furlan, respectivamente. É frustrante ver os titulares desses órgãos tendo suas iniciativas torpedeadas e solapadas por uma visão meramente monetarista do BC.
DINHEIRO ? Além do ministro Antonio Palocci (da Fazenda) e do Meirelles quem mais, no seu entender, tem uma visão econômica equivocada?
MELLO ? Para ser justo é preciso dizer que concordo com o ministro Palocci quando ele diz que o Tesouro não tem dinheiro suficiente para fazer o real se valorizar frente ao dólar e às demais moedas. Entretanto, basta que o BC reduza dramaticamente a taxa de juros que isso acontecerá automaticamente.
DINHEIRO ? Mas essa medida não traria de volta a espiral inflacionária?
MELLO ? Não creio. Principalmente se houver um choque de oferta de produtos. O Brasil, em 2004, colocou 30% a mais de máquinas para funcionar. É uma produção significativa que evitaria o risco de inflação futura.
DINHEIRO ? A reforma ministerial é uma necessidade?
MELLO ? Acho que sim. Desde de Fernando Henrique que vigora no País a ditadura da equipe econômica. Eles se comportam como governadores britânicos na África do século XIX. Cheios de razão e incapazes de ouvir a sociedade, eles acreditam que são os únicos que sabem o que é melhor para o País. Têm total desprezo pelas pessoas e até mesmo pela elite empresarial. Acham que o BC deveria ser comandado por um Alan Greenspan (presidente do BC dos Estados Unidos). Esse modelo só funciona nos EUA. O Brasil tem problemas sociais graves e a prioridade aqui tem de ser a geração de empregos.