24/04/2015 - 20:00
No final de março, as maiores empresas globais de navegação, que integram a Associação Europeia de Armadores (ECSA, na sigla em inglês), enviaram uma carta às autoridades do continente alertando para o recente agravamento de um problema histórico: o rápido crescimento da onda de imigração da África para a Europa, em frágeis embarcações. “A crise humanitária no Mar Mediterrâneo está fora de controle”, afirmava o documento. Não se tratava de exagero. De 200 mil pessoas vítimas de naufrágios em 2014, os navios escalados para a rota haviam ajudado a resgatar ao menos 40 mil. Na avaliação das empresas, a situação iria piorar ao longo do ano se nada fosse feito, aumentando o número de mortes de imigrantes e colocando em risco também os tripulantes. Parecia uma tragédia anunciada.
Semanas após o envio do comunicado, uma embarcação de refugiados do Oriente Médio e da África tombou na região, deixando ao menos 800 mortos. O caso ganhou repercussão mundial e suscitou uma discussão mais profunda sobre o problema, entre as autoridades européias. Em duas reuniões convocadas em caráter de emergência, líderes regionais decidiram tomar medidas mais duras para conter o fluxo de imigrantes ilegais. As propostas incluem desde a captura e destruição de embarcações empregadas no tráfico de pessoas, passando por aumento no orçamento de resgate e por um programa rápido de repatriação aos que tiverem o visto negado.
A rota do Mediterrâneo é uma das mais perigosas usadas pelos refugiados. A ONU estima que 1.700 pessoas, de um total de 35 mil imigrantes que tentaram completar a travessia, tenham morrido no primeiro trimestre do ano. Em 2014, foram ao todo 3.500 vítimas fatais. “Mais de 1.000 pessoas morreram em apenas dez dias de abril”, diz Flavio Di Giacomo, porta-voz da Organização Internacional para as Migrações (OIM). “É uma emergência que vai piorar.” Para os armadores, que tiveram de se acostumar a fazer resgates com mais 500 pessoas em um só navio, os acidentes se tornaram um problema impossível de se administrar. “Não temos estrutura para isso”, disse Dimitrios Banas, porta-voz da ECSA.
Para além da crise humanitária do Mediterrâneo, o dilema da imigração volta aos holofotes na Europa, em meio aos ainda frágeis sinais de retomada econômica. No primeiro trimestre deste ano, a entrada de estrangeiros aumentou em 180% em relação ao mesmo período de 2014. Segundo Marcus Vinícius de Freitas, professor de Relações Internacionais da FAAP, a crise causa repercussão nos orçamentos, com mais gastos destinados ao controle de fronteiras e de auxílio aos imigrantes. Os armadores cobram uma urgente injeção de recursos, para dar conta das demandas de busca e resgate na rota, uma tentativa de compensar o fim da operação italiana Mare Nostrum, que resgatou cerca de 100 mil imigrantes no ano passado.