O publicitário Marcello Serpa, ex-sócio e diretor de criação da AlmapBBDO e um dos publicitários mais influentes do Brasil, avalia que a publicidade contemporânea perdeu parte de sua ousadia por refletir um comportamento social mais conservador e pela crescente influência do medo de cancelamento.

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Em participação no Dinheiro Entrevista desta semana ele defende que as marcas precisam voltar às “verdades bem contadas” e abandonar narrativas criadas apenas para agradar o público.

Segundo Marcello Serpa, há uma inversão de prioridades entre o que é autêntico e o que é planejado estrategicamente para parecer verdadeiro.

“O storytelling ficou muito em alta, mas pessoas estão confundindo……pensando assim, vamos criar um ‘story’ para depois fazer o ‘telling’. E quando você cria o story, você já errou, porque você está inventando alguma história”, afirma.

Para ele, ‘as marcas que têm uma história bem sólida e um ‘telling’ que corresponde a essa história são sólidas, têm peso e carisma’.


A tese é de que o comportamento mais conservador não é criado pelo mercado publicitário, mas sim pela sociedade em si.

“A propaganda sempre é o reflexo da sociedade que ela está inserida. Eu acho que a sociedade ficou careta. Nós estamos vivendo momentos de caretice absurda”, diz.

Ele lembra que, no passado, campanhas publicitárias podiam ser mais provocativas, enquanto hoje “as marcas e as agências têm dificuldade de furar o medo do cancelamento”.

O publicitário observa que o ambiente digital ampliou a influência de pequenos grupos muito vocais nas redes sociais.

“Quando você pega um mercado específico de vinte milhões de pessoas. Se cinco a vinte pessoas forem muito vocais, muito estriônicas, muito rápidas para reclamar daquele conteúdo, a opinião dessas vinte pessoas vai se sobrepor à opinião dos outros vinte milhões”, diz.

Na prática, segundo ele, isso leva empresas a focarem mais nas críticas pontuais do que na percepção geral de seus consumidores.

O impacto do cancelamento e a fragmentação da mídia

Para Serpa, o fenômeno das redes sociais e o avanço da tecnologia criaram um cenário em que o alcance e a repercussão das campanhas estão diretamente atrelados ao controle de algoritmos.

Ele recorda a época em que participou de reuniões com executivos do Facebook, antes da consolidação do modelo atual de mídia digital.

“Eu lembro de ter falado com eles na época e falar assim: ‘Vocês agora são mídia’. Eles diziam: ‘Não somos, jamais seremos mídia’. Mas, no momento em que você tem um vídeo e pode vendê-lo para todas as marcas do mundo, você virou uma empresa de mídia”, relata.

De acordo com Serpa, essa mudança transformou a forma de se comunicar e fragmentou o alcance das campanhas.

A busca por autenticidade e os limites do alcance

Mesmo reconhecendo o novo contexto das bolhas digitais, Serpa acredita que as marcas ainda podem ser autênticas e relevantes, desde que compreendam seu público e aceitem que não é possível agradar todos.

“Uma marca que quer agradar todo mundo vai fazer uma campanha absolutamente medíocre”, afirma.

Ele reforça que campanhas fortes necessariamente geram desconforto em parte da audiência. “Nenhuma campanha boa agrada todo mundo. Tem que saber com quem você vai falar e agradar aquele grupo.”

Serpa também alerta que a publicidade deve respeitar os limites éticos e sociais, mas sem perder a coragem criativa.

“Desde que não esteja ferindo a dignidade de alguém ou os direitos de alguém, você pode fazer campanhas. As pessoas não são obrigadas a comprar o produto”, diz.