04/02/2004 - 8:00
Poucas pessoas conseguiram ao longo da vida ter um Duveen pendurado na parede de casa. Tal glória foi reservada a gente como o banqueiro J.P. Morgan, o industrial John Rockefeller e o barão da mídia William Randolph Hearst. Graças aos Duveen esses homens conquistaram a imortalidade expressada nos quadros que doaram a museus e grandes galerias dos Estados Unidos, principalmente a National Gallery, em Washington. O aspecto mais surpreendente em Joseph Duveen é que ele nunca sujou as suas mãos com tinta e muito menos pegou em um pincel. Ele foi um homem de negócios, um marchand que vendia obras de gênios como Rafael, Botticelli, Rembrandt e Donatello, mas que ficavam menores diante da magnitude, da força e do seu prestígio junto aos milionários ansiosos em garantir um verniz cultural para seu dinheiro. Duveen sabia dessa necessidade. Até 1939, quando morreu, atendeu de maneira única os desejos dos endinheirados americanos.
Sua trajetória como marchand é deliciosa e recheada de excelentes passagens. Há intrigas contra concorrentes, pagamentos para serviços de espiões de obras na Europa e um estilo inconfundível que fez da arte um grande negócio para ele e seus clientes. O enredo em torno desse incrível personagem pode ser acompanhado no livro O Marchand das Vaidades, de Samuel Nathaniel Behrman, publicado no Brasil pela Bei Editora (R$ 39). Nos anos 50, Behrman fez artigos sobre Duveen para a revista New Yorker. Entrevistou concorrentes, clientes e empregados e saiu desse périplo com uma rica biografia de um dos homens mais para o mercado mundial de arte. ?Duveen percebeu o óbvio. A Europa tinha arte e os Estados Unidos, dinheiro. E dessa forma, montou toda a sua estratégia comercial?, diz Tomás Alvim, diretor da Bei. Esse livro é o primeiro da coleção da Bei sobre os grandes do mundo da arte. O próximo, ainda em negociação, pode ser a biografia do marchand de Pablo Picasso.
Inglês de nascimento, posteriormente agraciado com o título de lorde de Millbank, Duveen desembarcou nos Estados Unidos para ajudar o sócio do seu pai e tio que já tinha uma grande relação com os milionários locais na área de objetos de arte como porcelanas. Foi dele a idéia de entrar no ramo de quadros e aumentar o lucro da família. Depois da morte do pai e do tio, ele comprou a parte dos outros 11 irmãos. Quando um dos irmãos quis entrar no ramo de decoração, o marchand pediu que este não utilizasse o sobrenome da família. Afinal, Duveen deveria ser apenas um. Em troca, o irmão passou a ganhar uma pensão de US$ 25 mil anuais pelo acordo. Em suas viagens pela Europa era capaz de gastar US$ 1 milhão para ter uma boa coleção. Durante toda a vida ele investiu cerca de US$ 25 milhões (valores da época) em oito grandes coleções particulares que renderam lucros até o final da vida.
O maior mérito do marchand foi perceber a carência entre os milionários americanos em relação a grandes obras dos mestres. Das suas três galerias saíram as grandes coleções de arte americanas forjadas no século 20. ?Quando vocês pagam muito por aquilo que não tem preço estão pagando barato?, dizia a algum cliente que tentava reagir aos preços de Duveen. Ter um Duveen não era uma simples questão de dinheiro. Ele precisava sentir que o comprador estava preparado para a obra. A um cliente interessado em um Rembrandt, mas que não tinha grandes nomes em sua coleção, ele respondeu: ?Não posso vender um Rembrandt para alguém que não possui outras obras. O Rembrandt ficaria solitário.? Essa lógica o transformou em al-
guém tão poderoso que era raro algum milionário planejar alguma com-
pra sem antes consultá-lo. Quem se atreveu a quebrar a regra pode ter levado para casa um bom quadro, mas nunca um legítimo Duveen.