A trajetória do empresário paulistano Marcio Kumruian, 39 anos, poderia ser narrada de duas formas: A primeira, a de um comerciante de família armênia que fez fortuna a partir “do lojinha” de sapatos no centro de São Paulo; A segunda, a de um jovem visionário que, aos 28 anos, enxergou na internet uma oportunidade de vender seus produtos e ganhar dinheiro. Ou, talvez, a história possa ser mais bem contada unindo os dois pontos de vista, misturando varejo e tecnologia. Como fundador e presidente da Netshoes, o corintiano Kumruian criou em pouco mais de uma década a maior loja e-commerce de artigos esportivos do mundo, segundo a consultoria americana Internet Retailer, dona de um faturamento de R$ 1,1 bilhão no ano passado. 

 

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Marcio Kumruian, CEO da Netshoes: “Hoje já é difícil definir se somos

uma empresa de varejo ou de tecnologia”

 

O resultado não impressiona apenas pela cifra alcançada, mas pela velocidade na qual tem se multiplicado. Três anos antes, em 2009, a receita chegou a R$ 155,9 milhões, cerca de 15% do obtido em 2012. Para este ano, Kumruian estima um faturamento de R$ 1,4 bilhão, uma alta superior a 20% nas vendas em 12 meses. Kumruian diz que sua projeção está longe de ser exagerada. Atualmente, entre cliques e pedidos pelo televendas, sua loja virtual atende a 17 milhões de clientes por mês e processa mais de 30 mil vendas por dia – são quase 1,3 mil pacotes despachados por hora pelas esteiras dos seus centros de distribuição em Barueri e Itapevi, ambas na região metropolitana de São Paulo, e em Recife. 

 

“As vendas estão crescendo tanto que, cada vez que olho para o nosso relatório na tela do computador, levo um susto”, diz, sorrindo, Kumruian, que decidiu fechar todas as oito lojas físicas da Netshoes em 2007 para se dedicar exclusivamente às vendas pela web. “Para a rua não volto mais”, afirma o EMPREENDEDOR DO ANO NA TECNOLOGIA EM 2013. Nem precisaria voltar. Embora o desempenho de Kumruian no varejo dispense apresentações, é no campo da tecnologia que ele tem chamado mais a atenção e feito suas vendas saltarem exponencialmente. Em menos de um ano, a Netshoes desenvolveu mais ferramentas tecnológicas do que muitas empresas de tecnologia lançam em uma década. 

 

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1,3 mil pacotes por hora: os centros de distribuição da empresa, um em Pernambuco e dois em São Paulo,

despacham a todos os Estados

 

As inovações vão desde um inédito leitor de dimensões internas do calçado em 3D, batizado de Shoefitter, até aplicativos que reconhecem pela câmera de smartphones o tênis que está nos pés do cliente e indica modelos semelhantes, o chamado Netshoes Click. O sistema foi desenvolvido em parceria com cientistas da universidade militar Virgia Tech, na cidade americana de Blacksburg. “Montamos uma equipe de mais de 90 profissionais que buscam, diariamente, criar novas ferramentas para facilitar nossa relação com o consumidor”, diz Kumruian, referindo-se a seu “staff de gênios”, como ele define, baseado em São Paulo. 

 

“Hoje já é difícil definir se somos uma empresa de varejo ou de tecnologia. Afinal, as inovações que desenvolvemos hoje poderão ser obsoletas já no ano que vem”, afirma o empresário, que gostava de montar e desmontar computadores quando era adolescente. À primeira vista, o hobby podia soar como um passatempo despretensioso, mas simbolizava a conquista de algo maior. No início deste ano, a Netshoes foi a única empresa brasileira incluída no ranking das companhias mais inovadoras da América do Sul pela revista americana Fast Company. 

 

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Rumo ao Vale do Silício o centro tecnológico da Netshoes, na Califórnia,

deixará, segundo Kumruian, a empresa mais próxima das maiores

companhias e das melhores universidades de tecnologia do mundo

 

A vocação tecnológica e a afinidade de Kumruian com o mundo da inovação motivaram a Netshoes a tomar uma das mais importantes decisões de sua história: abrir, no primeiro semestre de 2014, um centro de desenvolvimento de novas tecnologias no Vale do Silício, na Califórnia, a Meca Digital povoada por gigantes do naipe de Google, Apple, Microsoft e Oracle. O laboratório será 100% dedicado a criar mecanismos que facilitem a relação da empresa com o consumidor, minimizando o índice de troca e aprimorando, cada vez mais, a experiência de compra. 

 

“Precisamos estar próximos de onde são criadas as novas ferramentas tecnológicas, absorvendo conhecimento e sofisticando o nosso negócio”, afirma o presidente da Netshoes, que mantém operações de venda e distribuição também na Argentina e no México. A base tecnológica da Netshoes nos Estados Unidos também abrirá caminho para uma eventual estreia da empresa no poderoso mercado americano. Embora essa ideia seja um assunto guardado a sete chaves no QG da Netshoes, no bairro paulistano do Paraíso, nos bastidores é sabido que um plano nessa direção tem sido rascunhado pela empresa e seria precedido por uma capitalização com abertura de capital na bolsa. 

 

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“Temos a intenção de lançar ações, sim, porque chegará um ponto em que teremos de encontrar boas soluções para reforçar o caixa e fazer os investimentos necessários na expansão dos negócios”, afirma Kumruian. “Olhando para o cenário atual, creio que isso acontecerá lá por 2017.” O IPO da Netshoes, além de garantir os investimentos em pesquisa de novas tecnologias e financiar uma eventual ofensiva no mercado internacional, dará mais fôlego à empresa no concorrido e-commerce brasileiro, em que as poderosas B2W (dona de Submarino e Americanas.com) e Nova Pontocom, do grupo Pão de Açúcar, que conta com Casas Bahia e Ponto Frio, não escondem a intenção de ampliar significativamente seu portfólio de produtos. 

 

Soma-se à concorrência o fato de que, para ter sucesso no varejo online brasileiro, é preciso ter bala na agulha para garantir o melhor preço em dez parcelas sem juros e entregar a mercadoria, com frete grátis, do Oiapoque ao Chuí. “Não se engane, o boom do comércio eletrônico ainda não aconteceu”, afirma o consultor em e-commerce da FBits e-Business Partner, Cícero Caiçara Júnior, de Curitiba. “As grandes empresas do setor, como a Netshoes, sabem disso e estão se movimentando muito, inventando sempre coisas novas, para se tornarem as maiores empresas do varejo no País daqui a poucos anos.”

 

De fato, quando parece não ter mais o que inventar, Kumruian surpreende. Semanas atrás, ele idealizou um serviço que deverá estar disponível em algumas capitais brasileiras, a começar por São Paulo, já no primeiro semestre de 2014: a entrega ecológica. Trata-se da opção dada aos clientes de ter sua encomenda entregue de bicicleta, uma opção paga para quem pretende contribuir para a redução dos congestionamentos nas grandes cidades e com emissão zero de CO2 . “Não ia contar a ninguém, para não dar a ideia”, disse Kumruian, quase ao final da entrevista à DINHEIRO, enquanto seus assessores – que o acompanhavam – faziam gestos de “não” com os dedos indicadores ao fundo. “Mas agora já contei.”

 

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