30/07/2003 - 7:00
A medida é polêmica, mas pragmática. Já foi aplicada, com sucesso, em países como Espanha, Itália, México, Alemanha e Argentina. O autor da proposta é o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Em resumo, trata-se de anistiar o dinheiro que deixou o País por vias tortas, em muitos casos fruto do caixa dois das empresas, e que geralmente saiu do País pelo câmbio negro ou em operações de lavagem como as do Banestado. O plano do ministro consiste em cobrar 3% de imposto para aqueles que pretendam repatriar os recursos ou 5% para quem queira declará-los à Receita e, ainda assim, mantê-los no exterior. O primeiro passo tomado pelo ministro foi levantar os cifrões envolvidos e o resultado foi surpreendente. ?Todas as estimativas confiáveis apontam que já foram remetidos ilegalmente entre U$$ 60 bilhões e US$ 70 bilhões?, disse Thomaz Bastos à DINHEIRO. Seu plano é conceder anistia ampla àqueles que decidirem utilizar o dinheiro para investir ou, simplesmente, circular à luz do dia. Programas semelhantes conseguiram recuperar US$ 30 bilhões na Espanha, US$ 40 bilhões na Itália e US$ 50 bilhões no México. Nos casos da Espanha e da Itália, os resultados foram próximos a 3% do PIB. Caso o mesmo porcentual se repita no Brasil, poderão retornar cerca de US$ 15 bilhões.
O ponto mais problemático da medida é que boa parte das cifras remetidas para o exterior é fruto do crime organizado, do narcotráfico e da corrupção. Ou seja, é dinheiro sujo ? o que impede que a anistia seja irrestrita. ?Mas também estamos falando de dinheiro que, simplesmente, entrou pelo caixa dois das empresas e não foi declarado ao Imposto de Renda?, lembra Thomaz Bastos. ?Há muitos empresários querendo voltar à legalidade?. Seria um problema meramente fiscal do setor privado ? e é justamente esse o foco do projeto que Thomaz Bastos está costurando com sua equipe. No momento, a Receita Federal está estudando o impacto da medida. Para entrar em vigor, a anistia ainda precisa de uma lei, a ser aprovada pelo Congresso Nacional. Ali o senador Aloísio Mercadante é o principal defensor da idéia. Dias atrás, técnicos do Ministério da Justiça discutiram o assunto com colegas do Banco Central. Thomaz Bastos está agendando um encontro para tratar da questão com Henrique Meirelles, presidente do BC. ?Quero resolver esse assunto ainda neste semestre?, antecipou o ministro à DINHEIRO.
A medida faz parte de um pacote maior do governo de combate à lavagem do dinheiro sujo obtido no País. Trata-se de uma longa e gigantesca guerra, cuja coordenação Márcio Thomaz Bastos tomou para si. Semanas atrás, ele anunciou a criação de uma força-tarefa permanente, especializada nesse tipo de crime, integrada por representantes de oito órgãos federais, como Receita Federal, Banco Central e Comissão de Valores Mobiliários. Também decidiu criar um novo órgão em seu ministério, a Secretaria de Recuperação de Ativos Ilícitos, que terá a tarefa de trazer de volta o dinheiro sujo remetido ao exterior. O primeiro titular do órgão assume nesta semana, o procurador Antenor Madruga Neto, responsável pelo inquérito sobre o juiz Nicolau dos Santos Neto. Outra medida que já está sendo implementada é a criação do Cadastro Único dos Correntistas pelo Banco Central. Hoje não existe nenhum controle das contas correntes no Brasil. Quando uma autoridade precisa saber das movimentações bancárias de um suspeito, o BC passa uma circular para todo o mercado pedindo informações ? evidentemente, jamais se pegou alguém. Na semana passada, Thomaz Bastos assinou a autorização para que o BC comece a solicitar dos bancos privados a listagem dos titulares de contas correntes no Brasil. E, paralelamente a isso, o ministro pretende fazer avançar as apurações sobre o caso Banestado, solicitando às autoridades americanas a quebra de sigilo de mais 17 contas suspeitas. Na última semana, a CPI que investiga a lavagem de US$ 30 bilhões através de Foz do Iguaçu ouviu um dos depoimentos mais esperados, o do ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco (leia entrevista na página 29).
No esforço de combate à lavagem, há uma outra proposta controvertida que o ministro da Justiça se esforça em silêncio para viabilizar. Ele quer baixar uma legislação permitindo às autoridades federais o bloqueio dos depósitos em dinheiro das contas bancárias de suspeitas de atividades ilegais, mesmo sem ordem judicial. ?É uma medida violenta, que vai enfrentar muita oposição dentro do Congresso?, avalia. E como funcionaria? O objetivo é dar à polícia e ao Ministério Público o poder de determinar ao Banco Central o imediato bloqueio, por 15 dias, das contas bancárias dos suspeitos. Bloqueia primeiro e discute depois na Justiça o mérito da questão. ?Todos os países civilizados e organizados, como Estados Unidos, Inglaterra, Suíça e França, têm algo assim?, argumenta Thomaz Bastos. ?A surpresa é indispensável na luta contra o crime organizado.? Tudo para evitar que o dinheiro desapareça antes que a polícia consiga provar algo sobre os possíveis criminosos.