Questionado sobre o quão preocupante é a situação fiscal atualmente, Marcos Lisboa avalia que o orçamento está ‘cheio de goteiras’ e que manobras foram feitas de modo que descredibilizaram tanto a gestão pública quanto os números em si. O economista participou do Dinheiro Entrevista, em edição que irá ao ar na próxima semana.

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Marcos Lisboa, que já atuou no Ministério da Fazenda, já presidiu o Insper e foi diretor do Itaú, avalia que o número do resultado primário foi ‘desmoralizado’, e que conta que sequer olha os números de déficit ou superávit primário.

“Está cheio de goteira no orçamento. Foram se criando vários truques: “olha, essa despesa não entra no primário, vou fazer um fundo financeiro porque não aparece nas contas do primário”, e a dívida segue crescendo. Acho que é uma preocupação grande como vai ser o fiscal em 2027. O tamanho da encrenca que a gente vai ter que enfrentar – e isso com uma agenda muito grande a ser feita”, analisa.

Segundo o economista, apesar de especialistas e do debate público se debruçarem sobre os números e a efetividade das políticas públicas, o poder público ainda mensura pouco o quão eficazes elas tem sido.

“Avaliamos pouco toda essa concessão de subsídios e benefícios, de fundos, por exemplo, que o estado concede ao setor privado. Tem toda a discussão sobre as decisões judiciais do Brasil que estão em um número astronômico quando você compara com outros países. [Representa] 10% da despesa pública. Mas por que? O que está acontecendo? Onde é que está o erro? [Nas] interpretações cambiantes do judiciário. A criatividade com as regras. Tem uma discussão muito importante para garantir a que o Estado possa cumprir o seu papel social, e essa discussão não está acontecendo.”

Como fonte dos problemas fiscais e outras pedras no sapato para o desenvolvimento econômico, sua tese é de que a captura do Estado por grupos de interesse e o patrimonialismo é o grande denominador comum.

Esse problema seria agravado por uma ‘governança muito falha’ no setor público.

“Tem uma tradição muito autoritária no nosso país em que as pessoas gostam de ter muito poder para decidir como quiserem.”

A sua visão é de que esses temas tem ficado de fora do debate nos últimos anos, o que distanciam o Brasil de solucionar seus problemas, e que a solução incluiria mais limitações ao poder público mais órgãos de controle e de avaliação independentes, e também fechar programas governamentais que não funcionaram e priorizar programas os deram mais certo.

“O fiscal é o reflexo desse problema, que é muito mais profundo.”

Reforma do IRPF não combate desigualdade

Sobre as mudanças no Imposto de Renda – que isentam quem ganha até R$ 5 mil e aumentam cobrança dos chamados ‘super ricos’ -, Marcos Lisboa aponta que é uma medida que não combate desigualdade e, dado como está, deixa de lado questões técnicas importantes.

“Eu acho que não tem que separar dois pontos. Um ponto é a progressividade do imposto de renda, definir quanto cada família tem que pagar e fazer a tabela. Essa é uma escolha social. Agora, não dá para descuidar de toda a parte técnica, de como colocar essa tributação de pé, porque é muito mais complicado do que parece”, avalia.

“Tem imposto que é recolhido no lucro da empresa, tem empresa que paga pouco imposto com acionista rico, mas tem empresa que paga muito imposto com acionista não tão rico. Tem toda uma complexidade técnica além disso que envolve o imposto de renda. Eu fico muito preocupado. Não estamos entrando na parte técnica, de prometer uma coisa e, quando ver, isso irá preservar a desigualdade de renda, vai prejudicar pessoas e pode prejudicar ainda mais a produtividade”, completa.

‘EUA estão copiando o pior do Brasil’

Sobre a escalada do tarifaço e das decisões de Donald Trump de interferir em outras instituições independentes dos Estados Unidos – como os ataques incessantes ao Federal Reserve (Fed) – o especialista vê que os EUA estão ‘copiando o pior do Brasil’.

“Isso para mim foi uma surpresa. Eu sempre imaginei que o Brasil um dia ia tomar o rumo de casa, para se desenvolver e copiar as boas instituições dos países desenvolvidos, em particular dos Estados Unidos. É muito surpreendente os Estados Unidos copiando as instituições e as regras de políticas públicas que fracassaram no Brasil”, diz Marcos Lisboa.