26/09/2020 - 13:40
Além de diminuir o risco de contágio da covid-19, a máscara poderia atenuar a gravidade da doença em caso de infecção e aumentar a imunidade da população à espera de uma vacina, segundo uma tese científica ainda a ser avaliada.
“Acreditamos que as máscaras podem ser uma espécie de ‘ponte’ para uma vacina”, explica à AFP a doutora Monica Gandhi, especialista em doenças infecciosas na Universidade da Califórnia, em São Francisco.
Gandhi apresentou sua teoria em um artigo publicado em 8 de setembro na revista médica americana New England Journal of Medicine (NEJM).
Sua hipótese é a seguinte: uma pessoa infectada com a covid-19 usando máscara tem menos chances de desenvolver um quadro grave da doença que outra com o rosto descoberto, já que absorve uma menor quantidade do vírus.
“Começamos vários estudos para verificar esta tese, analisando por exemplo se a obrigação da máscara em algumas cidades do mundo reduz a gravidade da doença”, explica Gandhi.
Desse modo, se for comprovado que a máscara “aumenta a porcentagem de infecções assintomáticas”, seu uso generalizado teoricamente permitiria aumentar “a imunidade” da população e, com isso, chegar a “um controle intermediário da epidemia enquanto se espera por uma vacina”, continua.
“Mais um motivo para usar a máscara”, destaca à AFP o doutor George Rutherford, que confirmou o artigo.
– “Variolização” –
Os dois pesquisadores traçam um paralelo com a variolização – uma técnica rudimentar empregada no século XVIII, antes do surgimento das vacinas. Tratava-se de expor uma pessoa saudável a uma pequena quantidade de vírus da varíola, na esperança de que segregasse anticorpos e, portanto, ficasse imunizada.
A publicação do artigo no NEJM gerou uma chuva de reações.
“É apenas uma teoria, mas há muitos argumentos a seu favor”, afirma Bruno Hoen, diretor de pesquisa médica no Instituto Pasteur de Paris.
A máscara foi considera inútil pelas autoridades de saúde nas primeiras semanas da pandemia de covid-19 – quando havia uma grande carência em muitos países – mas, foi recomendada posteriormente principalmente para proteger os demais.
No entanto, para Angela Rasmussen, virologista da Universidade de Columbia de Nova York, no momento não é certo que uma dose menor do vírus reduza a gravidade da doença, também não se sabe até que ponto a máscara reduz esta dose e, em relação à imunidade, ainda se desconhece se é efetiva e/ou duradoura.
“Atualmente, nenhum dado comprova que a máscara atenua a gravidade ou que garante uma proteção através de uma variolização”, diz esta virologista.
– Hamsters e cruzeiros –
Um suposto vínculo entre a dose e a gravidade só pode ser estabelecido comparando situações já existentes – e, portanto, com um nível relativo de testes – e não por um estudo científico específico. Além disso, do ponto de vista ético, “não podemos expor deliberadamente pessoas ao vírus”, destaca Gandhi.
No entanto, esta pesquisadora se baseou em vários trabalhos para apoiar sua teoria, como um realizado com hamsters em Hong Kong.
O experimento se baseou em simular o uso de uma máscara, colocando-a entre duas gaiolas que separavam alguns hamsters saudáveis de outros infectados. Concluiu que, com a máscara, os roedores eram menos suscetíveis de se infectar com a covid-19 e que, mesmo infectados, seus sintomas eram mais leves.
Gandhi também comparou a situação em vários navios de cruzeiro afetados pela pandemia.
Em um deles, um navio argentino onde o uso da máscara era obrigatório, “a proporção de pacientes assintomáticos foi de 81%”, contra 40% em outros navios em que esta prática não foi generalizada, argumenta.
Gandhi lembra, no entanto, que a máscara não é um remédio: “Deve andar de mãos dadas com o distanciamento físico, a higiene das mãos e outras medidas de saúde pública. Não devemos baixar a guarda”.