A tremenda bobagem em que se meteu o Reino Unido é ratificada com a ascensão de Theresa May ao cargo de primeira-ministra. May é o retrato bem acabado do retrocesso da globalização. Ainda em 2013 ela pregou no parlamento britânico medidas protecionistas como a exigência de visto a cidadãos brasileiros, por entender que boa parte dos imigrantes dessa comunidade que chegava ao seu país era de ilegais e que esse fluxo precisava ser barrado.

A ideia só não foi adiante porque adversários lembraram que o Brasil seria sede da Copa do Mundo no ano seguinte, e das Olimpíadas logo a seguir, contexto no qual limitações de fronteira poderiam gerar consequências negativas aos britânicos devido à regra de reciprocidade em vigor entre os dois países. O assunto foi arquivado à época. Poderá naturalmente voltar à agenda da nova “dama de ferro”. Como outros de igual calibre cerceador a antigos parceiros. Os ingleses mergulham na incerteza.

Sob todos os aspectos. Estudos mostram que a inflação no Reino Unido deve estourar, subindo ao maior nível dos últimos 25 anos. May, tratada na União Europeia como uma política pragmática, quer agir com rigor e impostos diante da ameaça. Vai estimular empregos aos patrícios através da substituição daqueles antes reservados a estrangeiros. Não quer saber de acordos para acomodar as hordas de desassistidos de nações pobres. May, todos sabem, conduz um divórcio que tornará a Inglaterra ainda mais distante dos sonhos de integração comercial e social.

Os danos do Brexit à economia globalizada estão precificados. Os separatistas vieram com a corda toda. O mais aguerrido deles, o ex-prefeito de Londres, Boris Johnson, foi escalado por May como chanceler e deverá coordenar o desembarque das forças britânicas do bloco da UE. Ao lado dele estará o também separatista David Davis, convocado para a recém-criada pasta com o nome sugestivo de Brexit, cujo objetivo é garantir a segurança do Reino Unido – tanto política, como econômica – nos acordos de rompimento das relações.

Uma das medidas preventivas em curso para evitar maiores traumas internos e o estrangulamento financeiro local é a liberação de 5,7 bilhões de libras em créditos aos tomadores nacionais. Um pingo d’agua de recursos, inócuo para frear a desvalorização acelerada da libra frente às demais moedas. A crise continental que se abriu com o plebiscito gerou, e ainda gera, uma das maiores turbulências monetárias de que se tem notícia em tempos recentes. A fraquejada do ex-líder David Cameron, que permitiu a consulta popular de maneira afobada, sem maiores esclarecimentos, abrindo espaço à propaganda dos oportunistas de plantão, ainda está cobrando seu preço.

E o câmbio é apenas uma das variáveis que acusa o golpe. O arrependimento não adianta mais. O processo entrou em curso sem volta. O que May pensa do Brexit ficou claro nas suas primeiras declarações ao assumir o posto. Para ela, a votação mostrou que não se pode permitir a liberdade de movimento de pessoas da UE em seu país, como acontecia antes. Vem controle aí e dos grandes! A primeira-ministra chegou a admitir, num rasgo de sinceridade incomum, que muitos não gostam do seu estilo, considerado demasiadamente controlador. Mas a resistência, identificada até por ela, não a fará mudar de conduta.

O seu gabinete de “eurocéticos”, como definiu o sisudo jornal inglês Financial Times, é a prova clara de que May andará exatamente no mesmo trilho conservador que a trouxe até aqui. Ruim, especialmente para os negócios. Analistas da maioria dos mercados consideram inevitável a debandada de corporações e escritórios financeiros daquela praça. A tecnocracia protecionista venceu. Uma nova ordem econômica está sendo costurada e com May ela será na base da linha-dura.

(Nota publicada na Edição 976 da Revista Dinheiro)