12/02/2003 - 8:00
Eles já foram os senhores do universo, os homens que, postados nos templos das finanças internacionais, julgavam o destino dos capitais internacionais. E, como tal, decidiam quem seriam os vencedores e os perdedores. Mas a arrogância dos banqueiros de Wall Street vem desmoronando, nos últimos meses, como um castelo de cartas. Primeiro foram os escândalos financeiros das grandes corporações americanas. Agora, os analistas de instituições antes veneradas vêm a público para admitir que causaram prejuízos a seus clientes ao recomendarem a retirada de investimentos feitos no Brasil. Na mesma terça-feira 4, dois dos principais bancos americanos, o Goldman Sachs e o Morgan Stanley, divulgaram relatórios em que faziam um mea-culpa. Reconheceram que erraram ao rebaixar as notas de papéis brasileiros. ?Nossa visão estava baseada na tradicional retórica econômica do PT e do presidente Lula. No entanto, estávamos errados?, afirmou o Goldman Sachs em relatório enviado aos seus clientes. ?A dissintonia entre as preocupações dos investidores e a economia real do Brasil se tornou mais profunda à medida que entramos em 2003?, escreveram Gray Newman e Claudia Castro, analistas do Morgan Stanley. E completaram: ?É difícil escapar da conclusão de que a economia real tem uma capacidade de recuperação que não se vê com muita freqüência na região?.
A iniciativa do mea-culpa é tão rara quanto bem-vinda. Nenhum dos textos, porém, faz menção aos prejuízos causados, seja aos investidores, seja à economia brasileira. No Goldman Sachs ? que no dia 13 de janeiro rebaixou a recomendação para as ações brasileiras de ?neutro? para ?underweight? (abaixo da média) ? a informação revelada é a de que o erro de avaliação resultou uma queda de 0,40% na carteira de investimentos de seus clientes em 20 dias. Pode até parecer pouco, mas não é. A Libor, taxa de juros que serve como parâmetro em negócios internacionais, está em 1,31% para um prazo de seis meses. ?A carteira recomendada pelo estrategista rendeu menos?, afirmou o brasileiro Paulo Leme, diretor da área de pesquisa econômica para Mercados Emergentes da Goldman Sachs. ?Assim como ele está revendo sua posição em relação ao Brasil, vários outros analistas estão fazendo o mesmo.?
Risco-país. De fato, a Goldman Sachs não estava sozinha no festival de estrabismo financeiro. No ano passado, graças ao clima eleitoral, foram vários os relatórios de bancos americanos recomendando cautela em relação a investimentos no País. Em setembro de 2002, por exemplo, o risco-país medido pelo JP Morgan atingiu seu pico, registrando 2.443 pontos. Muitos investidores deixaram o País. Quem desprezou a opinião dos analistas e manteve seu dinheiro no Brasil lucrou. Entre outubro e janeiro, o Ibovespa saiu de 8.500 para 12.500 pontos, um ganho de mais de 47%. ?Os estrategistas têm de acompanhar vários países ao mesmo tempo, por isso não têm a mesma acuidade de quem só olha o Brasil?, observa o consultor de investimentos Alexandre Póvoa. ?O pior é que eles têm a força de fazer uma profecia se concretizar. Se vários disserem para vender os papéis de um determinado país, esse país corre o sério risco de quebrar.?
A força dessas previsões equivocadas pode ser notada na evolução da Bolsa. No dia em que o Goldman Sachs anunciou o rebaixamento dos papéis brasileiros, o Ibovespa fechou em 12.110 pontos. Na época, havia um forte fluxo de investimentos estrangeiros em direção Brasil. No último dia 4, quando o banco reconheceu o erro, a Bovespa estava em 10.577 pontos, uma queda de mais de 12%. O negativismo também contagiou o risco-país, que passou de 1.222 pontos em janeiro para 1.334 pontos em fevereiro.
Os bancos não são os únicos a cometer erros de avaliação sobre os países emergentes. As agências de classificação de risco há muito têm posições no mínimo curiosas sobre a capacidade dos países de honrar suas dívidas. Durante muito tempo, Argentina e Venezuela tiveram ratings melhores que o Brasil. Hoje, os dois países enfrentam graves crises e quem apostou nesses títulos corre sério risco de não receber. O Brasil teve a classificação de seus títulos em moeda estrangeira rebaixada em julho de 2002 pela Standard & Poor?s de BB- para B+. Já os papéis similares emitidos pela República de Botsuana, na África, são tidos como classe A pela S&P. ?O Brasil ainda é um país vulnerável porque depende de capital externo para fechar as suas contas?, justifica Daniel Araujo, analista da Standard & Poor?s. Para José Valter Martins de Almeida, diretor da empresa brasileira de análise de risco SR Rating, o erro das agências estrangeiras é o mesmo dos bancos de investimento: a valorização, além do normal, dos grandes números, sem conhecer a realidade do País. ?Pouca gente sabe o que acontece abaixo do Equador?, diz Almeida. Para quem quer ganhar dinheiro nesse mercado, já está na hora de aprender.