10/01/2019 - 7:43
O governo de Jair Bolsonaro informou que vai anular as mudanças nos critérios de avaliação dos livros didáticos, como o fim da exigência de referências bibliográficas e o veto à publicidade nas obras, após a medida ter sido revelada pelo estadao.com.br nesta quarta-feira, 9. Aviso publicado no Diário Oficial da União em 2 de janeiro sobre o edital que regula a compra dos livros também havia tornado menos rígido o controle de erros de revisão e impressão nos materiais. Segundo especialistas, as alterações poderiam permitir a aprovação de obras de baixa qualidade.
O Ministério da Educação (MEC) compra livros didáticos para todas as escolas públicas do País. São cerca de 150 milhões de obras por ano, com custo de R$ 1 bilhão. As mudanças tinham sido feitas no programa cujos livros serão adquiridos para o ensino fundamental 2 (6.º a 9.º ano) e entregues em 2020.
Entre os outros trechos que haviam sido suprimidos, estava o que dizia que as obras deveriam “promover positivamente a cultura e a história afro-brasileira, quilombola, dos povos indígenas e dos povos do campo”. Metade de um item que se referia às mulheres também havia sido cortado. Dizia que os livros deveriam dar “especial atenção” ao compromisso educacional com “a agenda da não violência contra a mulher”.
Em nota divulgada na noite de ontem, o governo informou que “os erros foram detectados no documento cuja produção foi realizada pela gestão anterior do MEC e enviada em 28 de dezembro de 2018”. Integrantes da atual equipe já trabalhavam na transição dentro da pasta desde o início de dezembro.
Ex-ministro da Educação na gestão de Michel Temer, Rossieli Soares disse que “não pode se responsabilizar” pelos erros. Segundo ele, em dezembro, sua gestão pediu uma única mudança no edital para esclarecer regras sobre arquivos de áudio que acompanham os livros. “Não pedimos nenhuma alteração que diminua o papel da mulher ou do quilombola, pelo contrário, fizemos uma retificação em outubro que deixou mais clara a importância disso”, afirmou Rossieli, agora secretário da Educação do governo João Doria (PSDB), em São Paulo.
Segundo uma servidora disse ao jornal O Estado de S. Paulo, havia uma versão do edital sem todas essas menções em agosto. E que ela mesma pediu alterações para que ficasse mais claro que não poderia haver erros nos livros e que as referências bibliográficas eram cruciais. Ela também requisitou que o texto deixasse mais clara a necessidade de valorização dos quilombolas e mulheres nas obras didáticas. Todas essas mudanças foram feitas e publicadas em outubro. Em dezembro, a mesma servidora pediu novas modificações, relacionadas aos arquivos de áudio, como mencionou o ex-ministro.
Em 2 de janeiro, no entanto, foi publicado no Diário Oficial um link para uma versão que não tinha as mudanças feitas em outubro, somente a modificação relacionada ao arquivo de áudio. O texto é semelhante ao que existia em agosto. Quem assina o “aviso de alteração” é um substituto do presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão do MEC que cuida dos livros didáticos, Rogério Fernando Lot. O presidente do FNDE na gestão Temer, Silvio Pinheiro, já não estava mais no MEC.
A nota do ministério diz ainda que “reitera o compromisso com a educação de forma igualitária para toda a população brasileira e desmente qualquer informação de que o governo Bolsonaro ou o ministro Ricardo Vélez decidiram retirar trechos que tratavam sobre correção de erros nas publicações, violência contra a mulher, publicidade e quilombolas de forma proposital”. A decisão de anular as mudanças foi tomada mais de seis horas depois de o Estado revelar a medida.
Repercussão
O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) do MEC foi se tornando, ao longo dos anos, muito rígido na escolha das obras, o que é elogiado no setor educacional. Por exemplo: materiais que tivessem erros em mais de 10% das páginas eram desclassificados. “O programa tem cada vez menos subjetividade da avaliação, é mais transparente, com menos ideologia. Esperamos que isso continue”, diz a diretora da Associação Brasileira de Editoras de Livros Escolares (Abrelivros), Vera Cabral.
A notícia ontem de que o edital havia sido mudado deixou atônitos autores, representantes de editoras e educadores. Antes da posse de Bolsonaro, especialistas tinham receio da política que viria para obras escolares. Isso porque o general Aléssio Ribeiro Souto, que fazia parte do grupo que discutia educação no futuro governo, disse ao jornal, que se estudava fazer revisão das bibliografias para evitar que crianças fossem expostas a ideologias e conteúdo impróprio. Afirmou ainda que os professores deveriam contar a “verdade” sobre o “regime de 1964”.
Os especialistas tinham considerado grave a retirada de exigência de referências bibliográficas nos livros. “Poderia se escrever que a Terra é plana e não mostrar nenhum embasamento teórico cientifico”, disse uma autora, que preferiu não ter o nome publicado.
“A valorização do pensamento cientifico é muito importante para qualquer sociedade, Os alunos precisam aprender a importância de se saber onde veio a informação”, acrescentou a presidente executiva do movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz.
A preocupação era de que se o texto ficasse como estava poderiam ser aprovados livros de menor qualidade. O edital que havia sido mudado faz parte de um processo que começou no ano passado. O MEC já recebeu todos os livros que se candidataram para estar nas escolas em 2020 e vai fazer a avaliação neste semestre. Os que respeitarem as exigências do edital e forem aprovados ficam aptos para serem comprados para as escolas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.