O mecânico Eduardo Alves dos Santos, de 42 anos, morreu cerca de três horas e meia após ser agredido em casa por um policial militar em Itapevi, na Grande São Paulo. A PM havia sido chamada pela mulher de Santos, a atendente Fernanda Camargo, de 36, que pediu ajuda para apanhar alguns pertences e pegar o carro que estava com o marido. A Secretaria da Segurança Pública (SSP) afirma que os policiais que atenderam a ocorrência foram afastados de “atividades operacionais”.

Santos foi vítima de socos, pontapés e golpes de cassetete, segundo Fernanda. Após ser detido, Santos foi levado pelos PMs para a Delegacia de Itapevi, para registrar um boletim de ocorrência de resistência, onde teria sofrido uma parada cardíaca. O mecânico chegou a ser encaminhado para o pronto-socorro central da cidade, mas não resistiu.

A declaração de óbito afirma que Santos morreu de “hemorragia interna traumática” provocada por “agente contundente”. Em nota, a SSP diz que aguarda resultado do exame necroscópico para concluir sobre a causa da morte. “Arrancaram meu marido, arrancaram o homem que eu amava. Eu só queria ajuda para mim e para ele, mas acabaram com a minha vida”, afirma Fernanda.

O caso aconteceu na segunda-feira, 16. Com problemas de alcoolismo, Santos havia iniciado uma discussão com a mulher no dia anterior. Segundo Fernanda, ele teve uma crise de ciúmes, rasgou roupas e queimou sapatos dela. A atendente foi dormir na casa da mãe após a briga, mas voltou no dia seguinte para buscar pertences e pegar o veículo dela, que estava na residência do casal.

“Você não vai pegar nada, só quando entrar na Justiça”, teria dito o mecânico, com quem era casada há 23 anos. O casal tem uma filha, de 17. Nesse momento, Fernanda ligou para a PM. “Ele estava meio alterado”, diz a atendente, que já havia precisado da polícia antes, após ser vítima de agressão.

Ocorrência

Dois PMs foram até o local para atender a ocorrência. Segundo Fernanda, o autor das agressões é Adriano Soares de Araújo. “O outro policial foi muito profissional, tentou conter o companheiro, mas não conseguiu.”

Antes de entrar na casa, os policiais perguntaram se Santos estava armado. Fernanda disse que não. Naquele momento, o mecânico e um funcionário faziam reparos em um carro, que precisava ser entregue naquele dia. A oficina funcionava na mesma casa do casal.

Descrito como “agressivo”, Araújo teria batido no ombro do mecânico. “Olha para mim, que estou falando com você”, disse. “Moço, por que você está fazendo isso comigo? Não sou bandido, estou trabalhando na minha casa”, teria respondido Santos. “Araújo se descontrolou, agarrou meu marido pela blusa e deu uma rasteira”, relata Fernanda. Na queda, o homem teria tentado se segurar na farda do policial, que rasgou. “Olha o que você fez na minha farda! Você está preso”, teria afirmado o PM. Depois, desferiu chutes e socos em Santos, ainda caído, segundo a testemunha.

Na sequência, o PM teria saído da casa para pegar o cassetete na viatura e também chamar reforço. Com o instrumento, voltou a entrar na residência e a agredir o homem. “Todo mundo foi para delegacia depois”, relata Fernanda.

Santos chegou algemado na Delegacia de Itapevi e foi posto em uma sala de espera. “Ele estava com o olho roxo, fechado, qualquer um poderia ver que ele havia sido agredido”, diz. “Ele tinha marcas no pescoço porque o policial ficou apertando com a bota. Não eram só lesões internas.”

“Eu disse que ele foi agredido, os policiais falaram que ele resistiu à prisão”, afirma a atendente. “Nesse meio tempo, meu marido começou a passar mal, a cuspir sangue.” Fernanda avisou aos policiais que havia algo errado. “Isso é abstinência de cachaça”, teria respondido Araújo. Até então, ninguém havia chamado uma ambulância.

Segundo Fernanda, o celular do PM estava sobre um móvel da delegacia e começou a tocar. “Ele pediu para eu atender, estranhei que a ligação apareceu registrada como ‘Amor Samu'”, conta. Na linha, estaria a mulher de Araújo. “Ela disse para eu enfiar o dedo no olho dele, mas ele não reagiu. Foi quando ela falou que meu marido estava em parada cardíaca”, relata.

Fernanda foi a primeira a tentar fazer massagem cardíaca no marido. Depois, Araújo também ajudou a fazer as manobras, mas Santos não reagiu. “A ambulância chegou e tentou ressuscitar. Disseram que ele teve sinal de vida e morreu no hospital, mas eu não sei”, diz a atendente. Na delegacia, ela conta que ouviu de um PM que o marido havia “rasgado a honra do policial”. “A honra do policial é a farda?! E a vida do meu marido é o quê?”, diz. “Ele matou um pai de família, nada justifica.”

Em nota, a SSP afirma que foi instaurado inquérito na Delegacia de Itapevi, que segue em andamento. A Polícia Civil colheu os depoimentos de Fernanda e da mãe dela. A Corregedoria da PM também investiga o caso. “Os policiais que atenderam a ocorrência foram afastados das atividades operacionais”, diz a pasta.

“A PM destaca ainda que não houve omissão de socorro, e a vítima recebeu os primeiros socorros dentro da delegacia, com massagem cardíaca, na hora que o homem passou mal. O Samu foi acionado e o socorreu ainda com vida”, afirma a nota.