Recém-lançado, drama “Zero Day Attack” divide opiniões ao retratar distopia na ilha asiática em 2028. Falar em escalada política e militar com Pequim deixou de ser tabu.O ano é 2028 e um navio de guerra chinês desaparece ao sobrevoar a costa de Taiwan. A China, então, bloqueia a ilha asiática, sob o pretexto de que precisa buscar a aeronave. Mas, na verdade, trata-se de um pretexto para uma invasão militar chinesa contra a ilha asiática, que tem um governo autônomo desde 1949 e um novo presidente prestes a tomar posse.

Este é o enredo de uma nova série taiwanesa que, desde a estreia no sábado (02/08), ganha popularidade e divide opiniões.

O drama de dez episódios, intitulado Zero Day Attack (Ataque de dia zero, em tradução livre), ganha elogios de parte dos espectadores por supostamente ajudar os taiwaneses a entenderem quão profundamente o Partido Comunista Chinês (PCC) se infiltra em suas vidas. A produção foi parcialmente financiada pelo governo de Taiwan.

Outros, entretanto, enxergam na série uma tentativa de fabricar e vender uma sensação de ruína nacional, possivelmente aumentando a ansiedade pública num momento de alta tensão política e militar.

Quebra de tabu

Taiwan é uma democracia autogovernada que a China afirma fazer parte do seu território. O PCC diz desejar a “reunificação” com o continente, inclusive pelo uso da força, caso necessário.

Durante anos, cineastas taiwaneses em grande parte evitaram tramas envolvendo o conflito entre os dois lados para não comprometer o acesso ao lucrativo mercado de mídia chinês.

Mas, agora, imaginar uma invasão chinesa deixa de ser tabu, segundo Yu-Hui Tai, professora associada de economia política da comunicação na Universidade Nacional Yang Ming Chiao Tung, em Taiwan.

“Essa tendência reflete como quebramos a espiral do silêncio”, disse ela à DW. “Passou de algo sobre o qual não queríamos falar para algo que agora podemos imaginar e até simular.”

A produção da série começou em 2022, quando a Rússia invadiu a Ucrânia. No contexto atual, a China intensifica sua presença militar na região e realiza exercícios regulares ao redor de Taiwan.

“Testemunhar a gravidade da guerra na Ucrânia me fez sentir que, se não abordássemos esse tema agora, talvez nunca mais tivéssemos outra chance”, afirma a roteirista Cheng Hsin-mei.

Discussão entre partidos

A maioria dos países democráticos segue a “Política de Uma Só China”, o que significa não reconhecer oficialmente Taiwan como Estado soberano. Entretanto, eles se opõem a qualquer tentativa unilateral de mudança do status quo.

Em maio, Zero Day Attack estreou durante um evento pela democracia realizado em Copenhague, na Dinamarca, onde foi ovacionada de pé. A série também estreará em setembro em um evento em Washington, capital dos Estados Unidos, e será lançada em uma plataforma de streaming japonesa em meados de agosto.

Com cerca de metade do orçamento da produção subsidiada pelo governo, o principal partido de oposição de Taiwan, o Kuomintang (KMT), criticou o governista Partido Democrático Progressista (DPP) por usar fundos públicos.

Para Cheng, a criticada “sensação de ruína nacional” vem da “realidade de que um regime autoritário poderoso constantemente alerta que não abandonará o uso da força contra Taiwan”.

Diferentemente de dramas de guerra tradicionais cheios de cenas épicas de batalhas, a série foca nas lutas internas de Taiwan diante de uma possível guerra, retratando as divisões políticas e o caos na ilha.

A ideia foi desenvolvida por meio de pesquisas e consultas com especialistas em segurança nacional, disse a roteirista, já que “a guerra moderna depende de várias formas de infiltração para semear o medo ou provocar rendição”.

Brincando de guerra

Taiwan também vê surgirem no mercado jogos que tematizam estratégias de infiltração política da China.

No início deste ano, o jogo de tabuleiro 2045 foi oficialmente lançado após uma campanha de financiamento coletivo bem-sucedida. O jogo simula um ataque militar chinês em 2045, após o qual Taiwan se divide em seis forças diferentes, incluindo unidades de autodefesa e grupos pró-reunificação.

Já o jogo para celular Reversed Front criou um “Continente Oriental” virtual e permite aos jogadores infiltrar o PCC a partir de Taiwan, Hong Kong ou outras áreas vizinhas. Em junho, autoridades de Hong Kong proibiram o aplicativo, alegando violação da Lei de Segurança Nacional. A proibição, no entanto, só impulsionou o número de downloads.

“Nosso objetivo é apresentar um retrato realista do cenário político no Leste Asiático”, disse Johnny, porta-voz do Reversed Front, que usou um pseudônimo devido à sensibilidade do tema. “Independentemente da ameaça ou dos métodos de infiltração vindos de Pequim, esperamos que Taiwan aprenda como tomar contramedidas.”

Emoções em jogo

Por outro lado, aumentam as preocupações com o impacto psicológico dessas obras. Uma loja de jogos de tabuleiro em Taiwan disse à DW que, embora a maioria dos clientes visite o local para relaxar e se divertir, jogar 2045 pode deixar alguns se sentindo emocionalmente sobrecarregados ou pressionados.

“É inevitável que haja ansiedade”, disse Tammy Lin, professora titular na Universidade Nacional Chengchi, em Taiwan, que estuda jogos digitais e psicologia da mídia. “Para Taiwan, este é um tema de pesadelo, que as pessoas prefeririam não mencionar nem enfrentar.”

Já Yu-Hui, a professora de economia política da comunicação, afirmou que é natural que filmes e jogos evoquem uma variedade de emoções, dado o profundo racha partidário de Taiwan sobre as relações com a China continental.

“A forma como facilitamos o diálogo entre essas emoções diferentes, em vez de deixá-las colidir, é um verdadeiro teste da sabedoria taiwanesa”, disse.

Para ela, Pequim provavelmente verá essas séries e jogos como um sinal de que o sentimento público em Taiwan está se afastando ainda mais da China, o que pode levar o governo chinês a “intensificar seus esforços ideológicos”.

O Ministério da Defesa chinês já criticou a série Zero Day Attack, classificando-a como uma produção com motivação política que visa “forçar os compatriotas de ambos os lados do Estreito de Taiwan a entrar em conflito e a se prejudicar e destruir mutuamente”.

“A divisão é um terreno fértil para a guerra da informação e as fake news”, disse Yu-Hui. “A pergunta é: queremos criar medo ou fomentar um diálogo racional?”