Nos últimos anos, as grandes corporações brasileiras acostumaram-se à benevolência da política industrial. O generoso uso dos recursos do BNDES atendia à estratégia do governo de criar multinacionais brasileiras. Grande parte dos R$ 300 bilhões financiados pelo banco estatal,  nos últimos dois anos, a taxas de juros subsidiadas, foi usada com a justificativa de construir as chamadas campeãs nacionais. Ao mesmo tempo, os órgãos de defesa da concorrência pouco incomodaram essas gigantes, anabolizadas com o dinheiro público. 

No entanto, começam a surgir sinais de esgotamento desse  modelo. A primeira fissura é a contradição entre a política do BNDES e a do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que ficou evidenciada na decisão que desmembrou a Brasil Foods. Desde o início do processo, os advogados bateram no argumento de que a empresa não poderia ser enfraquecida por ser a terceira maior exportadora do País e uma grande multinacional verde-amarela. Infelizmente, para eles, o argumento não colou e o Cade foi duro na negociação até o final, forçando um acordo muito menos favorável ao que a companhia esperava inicialmente. Ficou claro para especialistas em concorrência que o Cade não aceitará mais argumentos  políticos.

 

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 O resultado do julgamento expressa uma atitude nova do Cade e a visão de conselheiros jovens, que estão há pouco tempo no cargo e vêm adotando uma visão mais técnica da defesa da concorrência. A decisão afirmou ainda a independência do órgão em relação a diversas outras instâncias de governo. A fusão entre Sadia e Perdigão, em 2009, foi conduzida por fundos de pensão estatais, liderados pela Previ, que controlavam a Perdigão, para salvar a Sadia.

 

Além da contradição, bem que poderia estar em curso também uma mudança maior na política industrial, estimulada pelas críticas à atuação do BNDES. Um indício dos novos ventos bem que pode ser o recuo do BNDES no financiamento que sustentaria a proposta de compra do Carrefour pelo Pão de Açúcar. É verdade que a razão determinante para a saída do banco foi a polêmica societária entre o empresário Abílio Diniz e seu sócio francês, o Casino, e a firme oposição deste à operação. Mas a rapidez da decisão, também determinada pela grita em torno do apoio estatal, parece mostrar uma menor disposição para financiar imediatamente qualquer aquisição de grande porte de corporações brasileiras. 

 

Ainda é cedo para dizer se haverá realmente uma mudança no papel do BNDES. O cenário é outro e o banco deveria analisar as mudanças.  Durante anos, o acesso ao crédito foi um problema para as empresas brasileiras, mas, hoje, o Brasil tem classificação de risco melhor do que a de muitos países europeus e consegue recursos externos a taxas de juros historicamente baixas. Some-se a isso o fortalecimento recente do mercado de capitais, que elevaram a BMF&Bovespa à condição de uma das bolsas de valores mais importantes do mundo, atraindo grandes investidores internacionais. 

 

Ou seja: não se justifica usar recursos tão necessários em áreas como saúde e educação para financiar corporações com plenas condições de arcar de forma privada com seus próprios planos de crescimento. Ao BNDES caberia, além de apoiar a infraestrutura, para a qual foi criado, realocar mais recursos às pequenas e médias empresas que não têm acesso a outras fontes de financiamento e precisam de dinheiro barato para poder crescer.