21/05/2003 - 7:00
DINHEIRO ? Quando o dólar chegou a R$ 4, falou-se que o País iria quebrar. Quando o dólar cai para menos de R$ 3, falam que assim o País não avança. Qual o patamar ideal do dólar?
LUÍS EDUARDO ASSIS ? O dólar é diferente de outras variáveis. Observe, por exemplo, a taxa de desemprego. Todo mundo quer que seja a menor possível. O índice de crescimento, todos, sem exceção, querem que seja alto. Mas a taxa de câmbio é diferente, pois gera resultados conflitantes. E isso mostra que o governo tem hoje, e há muitos anos, um cobertor curto. O objetivo é, claro, ter a menor inflação possível numa situação de consistência das contas externas. A vulnerabilidade externa pode ser combatida com um dólar alto e isso foi feito a partir de meados do ano passado. Mas isso provoca uma alta na inflação. Portanto são objetivos diferentes e inconciliáveis. Quando se fala isso, alguém sempre pergunta: então, está bom, mas qual o patamar ideal para o dólar? Essa pergunta não tem resposta, pois o dólar alto é bom para alguns e o dólar baixo é bom para outros. São pessoas diferentes, representando setores diferentes.
DINHEIRO ? O que fazer então?
ASSIS ? Tudo vai depender do objetivo que o governo tem a
cada momento. A surpresa é que o PT tenha se comportado
nessas circunstâncias como se fosse o governo anterior. O que estamos vivendo é um espasmo de otimismo que será seguido
por um surto de pessimismo, como tem acontecido nos últimos
anos. A administração petista procura romper com esse círculo.
Para isso, ele teria de perseguir um grande superávit financeiro.
Isso só é possível se o câmbio estiver superior ao de hoje. Mas
nesse caso a inflação será maior.
DINHEIRO ? Há um patamar para o câmbio em que as contas externas sejam beneficiadas sem que os preços subam?
ASSIS ? Não. Não há patamares. O câmbio é um processo contínuo. Quanto mais alto o dólar, mais superávit comercial teremos e mais a inflação subirá. Essa questão torna a gestão monetária do governo mais complexa. A equipe econômica terá de abrir e fechar a torneira o tempo todo para não prejudicar nem um nem outro indicador. É uma permanente escolha de Sofia. Isso explica porque o governo deixou o dólar cair tanto desta vez. Porque a inflação chegou no limite. O governo sentiu isso e nós também. Pela primeira vez, em mais de 10 anos, escutamos falar de gatilho salarial, de reajustes automáticos. De fato correu-se o risco, há um ou dois meses, de que a inflação se descontrolasse, e foi essa possibilidade que estimulou o governo a deixar o dólar cair. Não há um dólar ideal.
DINHEIRO ? O dólar vem caindo, e com ele a inflação. Mas as contas externas continuam apresentando bom desempenho.
ASSIS ? É preciso cuidado com essa constatação, pois há um intervalo de tempo para que o efeito se apresente. Se o câmbio ficar como está, só daqui a alguns meses vamos perceber os efeitos na balança comercial. O mesmo acontece com a inflação. Com ela, a relação causa-efeito nem sempre é muito direta.
DINHEIRO ? Como assim?
ASSIS ? Quando o dólar sobe, a inflação sobe rapidamente. Mas quando o dólar cai, a inflação não cede na mesma proporção em que subiu.
DINHEIRO ? Por quê?
ASSIS ? Porque uma parte do aumento é incorporado pela indústria ou pelo comércio. Por exemplo: quando o dólar no final do ano passado chegou a R$ 3, os preços subiram para um patamar X. Agora que o dólar voltou para R$ 3, isso não significa que os preços retornem para o mesmo patamar X. Eles podem cair alguma coisa, mas estacionarão no patamar superior a X. Os importadores, que comeram o pão que o diabo amassou quando o dólar subiu, agora estão recompondo margem.
DINHEIRO ? O sr. escolheria priorizar a balança comercial…
ASSIS ? Isso vai naturalmente acontecer, pois não vejo o dólar mantido nesse patamar. Aquele câmbio mais caro gerou uma inflação que nós já pagamos e não vamos recuperar por mais que o dólar caia. Tenho projeções que indicam que um dólar a R$ 3,5 gera um saldo na balança de R$ 17 bilhões. Se o dólar fica em R$ 2,8, o saldo cai pela metade. Só que não teremos menos inflação, pois, como já disse, ela não cai na mesma proporção do câmbio. Mas se tivermos condições de gerar contas externas consistentes e saudáveis por um espaço de tempo maior, menor a nossa dependência aos humores dos investidores internacionais. É o que falta.
DINHEIRO ? Faltam as reformas também?
ASSIS ? Não adianta pensar que fazendo reformas e sendo o primeiro da classe, vamos ficar imunes às oscilações dos humores dos investidores. Por que o dinheiro está voltando para o Brasil? Porque há uma tolerância maior por parte dos grandes investidores em relação aos países emergentes.
DINHEIRO ? Mas torna o país menos vulnerável, não é?
ASSIS ? Menos vulnerável, mas o fato do País ter contas externas saudáveis tem um peso maior. Não se vê ninguém cobrando reformas de países que são grandes produtores de superávits ou que são detentores de grandes volumes de reservas financeiras.
DINHEIRO ? O ministro Antônio Palocci diz que não deve haver intervenção no câmbio. O senador Aluizio Mercadante tem posição contrária. Quem está com a razão?
ASSIS ? O ministro Palocci está certíssimo em não intervir no mercado. O problema da intervenção no câmbio é o Banco Central entrar em uma disputa com o mercado financeiro. Isso é desgastante, e nem sempre há garantia de que o BC levará a melhor. Se o governo intervir diretamente, provoca mais inquietação, pois dá a idéia que o dólar tem um piso.
DINHEIRO ? Qual a forma para fazer o dólar subir sem intervenção?
ASSIS ? Existe uma forma simples e mais saudável. O governo
pode reduzir o montante de sua dívida dolarizada. Isso vai gerar
uma demanda por dólar no mercado e fará a cotação subir. Esse
dólar que os países pobres emitiram nos últimos anos, que é a dívida dolarizada, não serve para nada. Os últimos anos provam que, na hora ?H? da crise, os investidores procuram o dólar diretamente, e não os papéis vinculados a ele, porque os investidores querem enviar dinheiro para fora.
DINHEIRO ? O governo estuda esse caminho?
ASSIS ? Acho que sim. Tenho a expectativa que o governo reduza gradualmente a dívida dolarizada. É uma forma indireta de intervenção no mercado e de minimizar a dependência em relação à oscilação da moeda americana. No final do ano passado, com a disparada do câmbio, a relação dívida/PIB subiu muito, sem que o governo tivesse aumentado em um centavo seu endividamento. Então, a parcela dolarizada da dívida pública, que representa cerca de um terço do total, é nociva nesses momentos.
DINHEIRO ? O governo venceu a guerra das expectativas, como o sr. disse. Qual o próximo embate?
ASSIS ? Há uma expectativa generalizada de que os juros devem baixar. Se não acontecer agora em maio, acontecerá em junho. Agora, também há a batalha das reformas. Essa foi a batalha, aliás, escolhida pelo próprio governo.
DINHEIRO ? Depois de conquistar a confiança do mercado, o governo corre riscos nessa próxima batalha?
ASSIS ? Corre. O investidor tem uma postura de extremos. Ele tende a minimizar as dificuldades de tramitação de reformas desse âmbito no Congresso. Então o humor pode piorar no primeiro obstáculo no processo de negociação que certamente ocorrerá com os parlamentares. Os avanços e recuos se tornarão sensíveis a eles. Podemos então ter períodos de turbulência ao longo do processo de aprovação das reformas.
DINHEIRO ? Qual a manifestação que o sr. ouve dos investidores externos?
ASSIS ? O que sinto é uma sensação de conforto em relação ao governo, pois contrasta com o clima do final do ano passado. Lula e sua equipe conseguiram mostrar que consideram a estabilidade conquistada com o real um bem público.
DINHEIRO ? Quando os investimentos diretos voltarão ao País?
ASSIS ? Eu não concordo com essa história de que o investimento direto é mais firme. Não podemos contar o tempo todo com esse capital. Houve uma onda de investimentos diretos aqui no final da década de 90. Naquela época, ocorreu, na verdade, uma transferência de controle acionário generalizada entre as empresas. Eram empresas estrangeiras comprando companhias brasileiras. Isso foi fruto de uma coincidência: havia uma enorme liquidez no mercado internacional e tínhamos em andamento o maior programa de privatização do mundo. Hoje não tem uma coisa nem outra. Quando se sai de uma crise de confiança, como agora, o primeiro capital que vem é o de curto prazo, mas ele pavimenta o investimento direto.
DINHEIRO ? O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, disse que o risco-país pode cair para a metade do que é hoje e chegar a 300 pontos. É otimismo demais?
ASSIS ? Acho que o Meirelles é realista. No nível em que os juros internacionais estão hoje, um investidor só consegue remunerar seu patrimônio a 5%, 6% ou 7% ao ano se apostar nos mercados emergentes. E não há portifólio de investimentos em emergentes que desconsidere o Brasil. Então, isso provoca uma queda no risco-país, sem dúvida. Mas, como já disse, as contas externas devem continuar como prioridade.
DINHEIRO ? Essa situação mostra também que o governo, na visão dos investidores estrangeiros, está fazendo a lição de casa?
ASSIS ? O risco país e o dólar caíram por três razões. A primeira
é a recessão mundial provocou queda dos juros internacionais. Quando isso acontece, os investidores têm apetite maior por risco e buscam mercados emergentes, pois eles oferecem taxas mais atraentes. Então o risco de todos os emergentes caiu, e o do Brasil caiu um pouco mais. Isso nada tem a ver com o governo, é fenômeno mundial. A segunda razão é que o governo mostrou claramente que não está disposto a romper contratos. Foi um jogo no campo das expectativas, o governo jogou bem e ganhou. A terceira razão é que o dólar caro provocou uma profunda reviravolta nas contas externas. Uma coisa é o governo fazer juras e promessas. Outra coisa é dinheiro na mesa, mostrar que é capaz de gerar dólares em nível impressionante. A reversão na balança comercial foi algo avassalador. Poucos países conseguem reverter um quadro negativo em seis meses, como fez o Brasil. É uma característica extremamente saudável da economia brasileira.