Anunciada a uma semana do aguardado início do ciclo de afrouxamento monetário, a melhora na classificação do risco de crédito do Brasil pela Fitch reforçou apostas no mercado de corte de 0,5 ponto porcentual da Selic. Não há, porém, consenso, porque os apelos por parcimônia na comunicação do Banco Central (BC) mantêm na mesa a possibilidade de um movimento mais conservador, com redução dos juros de referência em apenas 0,25 ponto porcentual na próxima quarta-feira.

Apesar disso, a perspectiva de um câmbio mais comportado, dado o atestado de que o Brasil se tornou um país menos arriscado a credores, ajudou a reforçar as expectativas por maior agressividade do BC, que já vinham ganhando força após a deflação mostrada pelos índices de preços ao consumidor desde o mês passado. Também colocou uma ‘pulga atrás da orelha’ de quem prevê maior cautela da autoridade monetária.

Na equipe econômica do governo, como não podia ser diferente, a notícia foi comemorada. O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, disse que a elevação do rating vai ajudar na redução da curva de juros e no trabalho do BC. “Cada passo é um avanço, é um legado, mudar um grau vai reduzir nossa curva de juros, vai apoiar o Banco Central, vai apoiar a ancoragem das expectativas, o trabalho do BC, vai atrair capital externo pra o Brasil”, declarou Ceron, reafirmando o objetivo de recuperar o grau de investimento até 2026.

Economista-chefe da G5 Partners, Luís Otávio de Souza Leal assinalou que a mudança de rating, combinada à desaceleração da inflação subjacente observada ontem no IPCA-15 de julho, aumenta a chance de a próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) terminar com a Selic a 13,25% – atualmente, a taxa está em 13,75% ao ano. No entanto, o economista mantém a projeção de um corte mais brando, de 0,25 ponto porcentual, devido às últimas comunicações do Banco Central. “O BC deu uma indicação de que quer começar em ritmo mais parcimonioso, e sabemos que tem um dissenso, uma ala do Copom que nem queria começar a cortar os juros em agosto”, argumenta.

Copom pressionado

Na avaliação do estrategista-chefe do Grupo Laatus, Jefferson Laatus, a decisão da Fitch, após a mudança na perspectiva do rating do Brasil pela S&P Global, tende a aumentar ainda mais a pressão política sobre o Copom. Já para o economista André Perfeito, a elevação do rating reforçou a expectativa de redução de 0,5 ponto porcentual na Selic em agosto.

Logo após o anúncio da agência de rating, Perfeito destacou em comentário a lista de motivos que levaram ao upgrade, como a melhora na trajetória da dívida, a política monetária prudente e o crescimento econômico resiliente. “É mais um elemento que se soma aos outros que estão na mesa do Banco Central para a reunião do Copom na semana que vem”, apontou.

A opinião, no entanto, não é unânime. Para o sócio-fundador da Oriz Partners e ex-secretário do Tesouro Nacional, Carlos Kawall, com o grau de investimento distante, a mudança de rating não deve alterar radicalmente o cenário de apetite do investidor estrangeiro por ativos brasileiros no segundo semestre. Da mesma forma, ele afirma que o aumento da nota não deve ter consequências sobre a decisão do Copom na quarta-feira, para a qual espera corte inicial de 25 pontos-base.

“Discordo da ideia de que isso pode pesar na decisão do Copom, porque não há nenhuma consequência direta do ponto de vista da convergência da inflação para a meta”, afirma Kawall.

Numa linha de pensamento parecida, o também ex-secretário do Tesouro e hoje economista da ASA Investments, Jeferson Bittencourt, demonstrou ceticismo sobre a capacidade do Brasil de retomar até 2026, quando termina o atual mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o selo de bom pagador conferido pelas agências de rating.

Para Bittencourt, chama a atenção a Fitch ter melhorado o rating soberano com base em reformas ainda não aprovadas. A referência é ao arcabouço fiscal, que voltou para a Câmara, e à reforma tributária, que está no Senado. Isso significa que a agência, na avaliação do ex-secretário do Tesouro, já “gastou” as duas reformas no upgrade de hoje, de modo que novas elevações da nota devem depender de novas reformas. “Só que não existem propostas de reforma do Executivo com a relevância dessas duas”, assinala.

Sendo assim, e considerando a incerteza de geração de superávit nas contas primárias na magnitude e prazo prometidos pela equipe econômica – 1% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2026 -, Bittencourt não vê razão para otimismo quanto a uma sequência rápida de revisões para cima das notas conferidas ao Brasil pelas agências de rating.

Aposta em divisão no Copom

Na avaliação do economista-chefe da Truxt Investimentos, Arthur Carvalho, a mudança do rating em si é pouco relevante para definir o tamanho da queda de juros em agosto, mas reflete uma combinação de dados que já estava presente para que o Copom possa iniciar o ciclo com um corte de 0,50pp. Dentre os fatores, o economista cita a inflação com queda disseminada – “o que permite um ciclo de queda de juros significativo” – e a sinalização de política fiscal não tão expansionista como se temia no início do governo Lula.

Já para Silvio Campos Neto, economista e sócio da Tendências Consultoria, a decisão da Fitch não deve ter influência sobre a decisão do Copom, que deve continuar focado na dinâmica inflacionária interna e nos dados de atividade, para entender melhor a situação do hiato do produto. “Creio que em virtude da cautela e da comunicação mantida até aqui, um corte inicial de 25 bps siga como mais provável, embora os últimos dados autorizem o início em 50 bps.”

“Talvez o BC queira ter uma maior confiança nessa melhora do quadro inflacionário, deixando a aceleração do ritmo para setembro.”

Outro economista, que preferiu comentar em condição de anonimato, considera que a mudança de rating tem mais relevância quando é para grau de investimento, com aumento do número de estrangeiros que passam a poder investir no país, com efeito importante sobre o câmbio. Na avaliação da fonte, no Copom, a decisão deve ser dividida, em virtude das opiniões diferentes sobre o processo de desinflação, mas a maioria deve optar por corte de 0,25 ponto porcentual.

Na opinião de outro profissional, a reação modesta do mercado à decisão da agência de classificação de risco indica que a importância dada pelo Copom ao fato não deve ser grande. O economista pondera, contudo, que o efeito sobre os ativos brasileiros pode ter sido limitado pela cautela pré-Fed hoje e ainda pelos dados piores do que o esperado do setor externo em junho. (Com Amanda Pupo e Fernanda Trisotto)