16/05/2014 - 20:00
O homem errado no lugar errado, durante o pior momento possível da história. “Eu não era um banqueiro, não era um advogado, não era um político e não era nem do Partido Democrata.” Essa é uma das maneiras como o economista Timothy Geithner descreve a si mesmo em seu livro Stress Test. Publicado nos Estados Unidos no início de maio e sem previsão de edição brasileira, o livro é parte memória, parte análise econômica. Nele, Geithner retorna a sua atuação como secretário do Tesouro americano – o equivalente a ministro da Fazenda – para conter a crise financeira gerada com os empréstimos imobiliários de má qualidade, os chamados subprime.
Além de voltar ao passado recente, o economista apresenta sua análise dos fatos e avalia o que esperar. Geithner testemunhou uma das maiores crises financeiras da história. No início de 2009, quando Barack Obama assumiu a Presidência dos Estados Unidos, o sistema bancário e as autoridades financeiras ainda estavam em estado de choque com a gravidade dos problemas que haviam emergido subitamente no fim do ano anterior. A epítome desse período foi a quebra do Lehman Brothers, quarto maior banco de investimentos americano, no dia 15 de setembro de 2008. Extremamente mal gerido – em seus livros constava um investimento em 227 toneladas de urânio radioativo –, o problemático Lehman era considerado grande demais para quebrar.
Quando sua situação se deteriorou, o governo americano tentou costurar sua venda para o britânico Barclays, oferecendo ajuda financeira. No entanto, o apoio prometido foi insuficiente, o que fez os ingleses desistirem. A falência do Lehman levou os mercados à pior crise desde 1929 e obrigou Washington a rasgar seus princípios de não intervir na economia. Geithner foi o principal defensor de uma decisão mortal para qualquer político: usar o dinheiro dos contribuintes, sempre um assunto explosivo nos Estados Unidos, para salvar os bancos. Ao defender o sistema financeiro, o governo impediria uma crise semelhante à da década de 1930.
No entanto, para isso, era preciso também garantir a sobrevivência dos tubarões de Wall Street, cuja “ganância infecciosa”, no dizer de Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve (Fed, o Banco Central americano), havia sido o motor da crise. Mesmo criticando a ganância dos bancos, o próprio Greenspan contribuiu bastante para agravar o problema. Ao longo de seus 16 anos presidindo o Fed, ele nunca hesitou em inundar o mercado financeiro com dinheiro e baixar os juros ao menor sinal de crise. Deu no que deu. A produtividade da economia americana e as importações chinesas mantiveram a inflação em queda, mas o excesso de dinheiro provocou uma inflação dos ativos financeiros, valorizando excessivamente empresas e imóveis.
Isso criou um círculo vicioso e mortal de crédito barato, alimentado com a emissão de títulos financeiros de baixa qualidade. O resultado foi um buraco estimado em US$ 3 trilhões nos balanços dos bancos. A única maneira de evitar um colapso foi financiar esse rombo, algo que custaria US$ 1,5 trilhão ao Tesouro. Em Stress Test (teste de estresse, em português), Geithner defende vigorosamente que salvar os bancos foi, na ponta do lápis, um negócio melhor do que deixa-los quebrar, arrastando com eles o restante da economia. “Havia a crença de que os juros permaneceriam baixos para sempre e que os preços dos imóveis jamais deixariam de subir”, escreveu Geithner. “Ninguém, dentro do sistema financeiro ou fora dele, percebeu que essa situação era insustentável.”
Pelas contas do ex-secretário, o empréstimo de fundos do Tesouro aos bancos deverá render juros de US$ 166 bilhões ao longo dos próximos anos. No entanto, essa não é a conta total. Há recursos do Fed que foram emprestados aos bancos a taxas camaradas para fazer frente a eventuais apertos de liquidez. Que lições os investidores podem tirar da crise? Segundo Geithner, o fato de atualmente o sistema financeiro estar mais controlado e menos alavancado do que antes da crise não é, por si só, uma garantia contrza problemas futuros. “A regulamentação avançou, mas não o suficiente”, escreveu ele. “Ainda há excesso de dinheiro no mercado e juros baixos, e nada garante que, em pouco tempo, as condições para a criação de novos movimentos especulativos estejam dadas.”