Em meados de 1994, Magim Rodrigues, então diretor-geral da Brahma, desembarcou na Venezuela com 10 dos melhores executivos de que dispunha no Brasil. Logo de cara, essa tropa de elite se deparou com dificuldades na montagem de uma rede de distribuição. Sobretudo nas áreas mais pobres da capital, Caracas, dominadas por favelas. Depois de semanas acompanhando frustradas negociações, Magim literalmente subiu o morro. Foi ter
com aquele que julgava ser o homem-forte da distribuição de cerveja no pedaço. A reunião se deu nos fundos de um armazém, com a escopeta calibre 12 do distribuidor deixada sobre a mesa como aten-
ta testemunha. A conversa, porém, fluiu bem e levou ao seguinte trato: a Brahma levaria a cerveja até o pé do morro e, dali para cima, uma equipe local faria o trabalho. Além da remuneração normal do negócio, o venezuelano só exigia uma caminhonete nova, para usar na distribuição. Magim desceu o morro contente com o acordo amarrado. Mas a alegria durou pouco. Semanas depois, o suposto distribuidor desapareceu da favela, levando consigo os planos da Brahma. E a caminhonete, é claro. Foi a primeira aula prática de internacionalização da empresa que, depois da fusão com a Antarctica, em 2000, se transformaria na mais badalada das multinacionais brasileiras: a AmBev. Desde então, os executivos que tocam uma operação no exterior são, preferencialmente, do próprio país. Na prática, há um rodízio permanente de profissionais na companhia, que no momento mantém 13 estrangeiros na matriz brasileira e 16 brasileiros em unidades no exterior.

?A internacionalização é meu projeto pessoal?, diz Magim, principal executivo da AmBev, prestes a se transformar em vice-presidente
do Conselho de Administração. Sua meta é elevar a parcela da re-
ceita da companhia vinda de fora do Brasil dos atuais 10% para 20% e aumentar a participação da empresa no mercado sul-americano de bebidas de 28,2% para 50% em um prazo não revelado. ?Eu sou um expansionista?, diz. ?Rotina me irrita. Meu divertimento agora é ver
a empresa crescer no exterior?, completa. Magim não tem problemas em dizer que aprende com seus erros. Como o que levou ao retumbante fracasso na tentativa de lançar na Argentina a garrafa
de cerveja de 600 ml, igual à usada no Brasil. ?Eu cheguei lá, vi aquelas garrafonas de um litro e pensei: desse jeito, argentino toma cerveja quente?, relembra. Por essa lógica, a embalagem menor deveria ser uma novidade bem recebida. Mas os primeiros lotes encalharam, e a Brahma só decolou por lá quando aderiu à garrafa grande. Do mesmo modo, quando essa marca estreou na Venezuela seu sabor era igual ao brasileiro, embora os venezuelanos estejam acostumados a cervejas mais amargas. Resultado: a fórmula não emplacou e teve de ser mudada para adequar-se ao paladar venezuelano. É a lição número dois: não tente empurrar os hábitos
e a cultura da matriz para as filiais.

Mas a AmBev aprende também com seus acertos. Exemplo: as animações computadorizadas usadas com sucesso em propagandas exibidas no Brasil nos últimos anos estão sendo exportadas para os países vizinhos. Na Venezuela, o siri da Brahma é um dos personagens mais admirados da telinha. Já a tartaruga de uma outra série de comerciais não foi bem aceita na Argentina, por ser considerada um tipo muito brasileiro. Isso não impediu que o filme publicitário criado por argentinos em torno da idéia de um boneco de vodu tenha sido copiado no Brasil, depois de fazer sucesso também no Paraguai e na Venezuela. ?Além de homogeneizar a marca, o uso de um mesmo filme em vários países significa uma boa economia, já que a produção de um bom filme de 30 segundos não sai por menos de R$ 500 mil?, revela Miguel Patrício, diretor de Marketing da AmBev. Triunfos fora do Brasil são importados sem pudores. O sucesso da Brahma Light entre os venezuelanos, por exemplo, é que animou a AmBev a relançar o produto no Brasil. Na Venezuela, a versão leve da Brahma vende mais do que a tradicional. Como aquele é o mercado de cerveja mais maduro da América Latina (73 litros por ano de consumo per capita), o fenômeno acabou influenciando a própria operação brasileira.

Mas a homogeneidade comporta exceções. A mais curiosa delas na Guatemala, único país onde a Brahma não chama Brahma. O nome lá
é Brahva. Por um bom motivo. Antes de desembarcar no país, a AmBev fez pesquisas em grupo para testar o nome da cerveja a ser lançada. E a palavra Brahma provocou risos e constrangimento, principalmente no grupo feminino. Descobriu-se, então, que na Guatemala brama significa cio de cadela. Os marqueteiros decidiram não insistir no nome e criaram a marca Brahva. Com agá e tudo, e
o mesmo logo, de modo que, olhando a lata de cerveja, é difícil no-
tar a diferença. É com essa disposição para aprender, ensina Magim, que se constrói uma multinacional de verdade.