A negociação de direitos de emissão de carbono, com compra e venda numa espécie de “mercado verde”, ainda parece algo de um futuro distante no Brasil, mas algumas grandes empresas já começaram a calcular internamente o “preço” de liberar gases do efeito estufa. O objetivo é sair na frente numa tendência que parece irreversível – a taxação sobre as emissões – e se preparar para o mercado global previsto no Acordo de Paris, de 2015. Quando for realidade, o sistema internacional poderá render bilhões para países que consigam ir além de suas metas de redução da poluição, e o Brasil é candidato a sair ganhando.

Líderes do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds) estimam que os créditos de carbono oriundos da preservação da Amazônia poderiam render US$ 10 bilhões ao ano para o Brasil. Sem estimar valores, estudo da petroleira Shell calculou que o País poderia absorver da atmosfera 2,7 bilhões de toneladas de gases por ano – conforme a companhia, para conter o aquecimento global, é preciso cortar 11 bilhões de toneladas por ano.

Enquanto a diplomacia não avança no sistema previsto no Acordo de Paris, alguns países locais se adiantaram na taxação do carbono para controlar as emissões. A lógica é, pelo preço, incentivar atividades menos poluentes. Em 46 países e 28 governos subnacionais há alguma forma de cobrança, segundo relatório do Cebds. Alguns governos optaram por criar tributos sobre emissões, outros por criar mercados locais, dos quais participam as empresas poluentes – os principais são o da União Europeia e o da Califórnia.

No Brasil, o Cebds defende a segunda opção, e o Ministério da Economia deverá apresentar, até o fim do ano, uma proposta sobre o assunto, como mostrou o Estadão em julho.

Embora quase metade dos gases eliminados no Brasil venha do desmatamento, enquanto a cobrança sobre o carbono é considerada eficaz para segurar a poluição de indústrias e usinas de energia, um mercado local deixaria o setor privado brasileiro pronto para as transações internacionais, quando forem regulamentadas.

Além disso, com a cobrança pelas emissões se espalhando, calcular o custo da poluição será importante tanto para exportar quanto para atrair investidores em ações e títulos de dívida, dizem executivos. “Fundos de investimento e empresários defendem essa agenda porque o negócio não vai dar certo se não for assim”, diz Ronaldo Seroa da Motta, professor de economia do meio ambiente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)

A Natura, de 2007 a 2018, compensou 3,6 milhões de toneladas de gases, gerando R$ 1,6 bilhão. Em 2019, investiu R$ 33,5 milhões nas comunidades impactadas, incluindo 38 projetos que geraram créditos de carbono. Nos processos internos, investe em materiais de menor impacto, e os projetos de produtos incluem as emissões nos custos, diz a diretora global de Sustentabilidade da Natura & Co., Denise Hills.

O desafio é maior nas indústrias que poluem mais. No setor do petróleo, a subsidiária da Shell no Brasil criou uma área para calcular “créditos de carbono” em ações de compensação. Na indústria do cimento, a luta é por combustíveis alternativos, diz o coordenador de Sustentabilidade da Votorantim Cimentos, Fábio Cirilo. Por isso, a empresa, com fábricas em 11 países, investe no uso de resíduos sólidos – pneus e lixo urbano não reciclável – e biomassa. No Brasil, 29% do combustível vêm de fontes alternativas. Segundo Cirilo, a companhia já inclui nas avaliações de projetos de investimento cálculos internos sobre o custo de emissões.

Para o professor Carlos Eduardo Young, do Grupo de Economia do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Gema) da UFRJ, as iniciativas são pontuais. No fim das contas, as emissões do Brasil seguem elevadas, por causa do desmatamento. Para o professor, apenas a regulação do Estado, como na Europa e na Califórnia, terá efeito, mas a agenda do governo Jair Bolsonaro está voltada para desregulamentar e reduzir a fiscalização ambiental. “A economia do baixo carbono é do século 21, mas, no Brasil, estamos voltando para uma economia pré-industrial”, afirma Young.

Projetos

Antes mesmo de o governo instituir um mercado obrigatório de direitos de emissões de gases do efeito estufa, empresas se mobilizam em plataformas voluntárias de negociação. É o caso do programa “Compromisso com o Clima”, lançado em 2017, com apoio da Natura e do Itaú Unibanco, em parceria com o Instituto Ekos Brasil. Ele une, na Plataforma Ekos Social, de um lado, empresas interessadas em comprar créditos de carbono para neutralizar suas emissões, e, de outro, projetos socioambientais que geram esses créditos de forma certificada, pela redução da poluição ou pela captura de gases, como ocorre com o plantio de árvores.

Desde 2017, o programa credenciou 11 projetos de geração de créditos de carbono, selecionados em editais de 2017 a 2019, de oito organizações, entre empresas e entidades sem fins lucrativos, informou Thiago Othero, coordenador técnico da Plataforma Ekos Social. O edital de 2020 acrescentará de cinco a oito projetos à plataforma de negociação.

A Irani Papel & Embalagem aderiu à plataforma no ano passado. Segundo Leandro Farina, gerente de Sustentabilidade da empresa, a Irani vendeu crédito de carbono por anos, levantando R$ 16 milhões até 2018, mas viu a demanda internacional cair recentemente. A fabricante de embalagens de papel já negociou com o Itaú Unibanco e agora conversa com a Natura.

O Itaú relatou que vem aumentando suas compensações. Em 2017, compensou 47,3 mil toneladas de gases emitidos de 2012 a 2015. Em 2018, compensou 98 mil toneladas referentes a emissões de 2016 e 2017. Em 2019, quando a Irani vendeu créditos, o Itaú Unibanco comprou 60,3 mil toneladas para compensar a poluição de 2018.

A construtora imobiliária MRV aderiu à plataforma este ano, para comprar créditos e compensar as emissões associadas às suas obras. A empresa, que neutraliza todas suas emissões desde 2015, investindo R$ 150 mil ao ano, em média, quer fechar a primeira negociação este ano, disse Raphael Lafetá, diretor de relações institucionais e sustentabilidade.

Para a diretora global de sustentabilidade da Natura & Co., Denise Hills, a plataforma facilita as transações, incentivando mais empresas a compensarem suas emissões, num “processo que já está posto”, baseado na experiência da Natura, do Itaú e outras empresas. “Quanto mais empresas entram, maior a compensação (de emissões), menor o custo de operação – ou seja, a burocracia do processo – e maior a possibilidade de incentivarmos projetos de compensação de carbono”, afirmou.

Do lado dos compradores, são 18 organizações, incluindo as empresas apoiadoras – além de Natura, Itaú e MRV, apoiam o programa a B3, dona da Bolsa, as Lojas Renner, a Raia Drogasil e o escritório de advocacia Mattos Filho. O Instituto Ekos Brasil não revela valores, pois as transações são fechadas entre compradores e vendedores. Segundo Othero, os projetos apoiados neutralizaram a emissão de 1,274 milhão de toneladas de gases.

Regra

Os “mercados de carbono” podem se tornar realidade em iniciativas locais, que avançam na Europa, nos Estados Unidos e no Canadá, ou em um sistema global, de “compra e venda” de emissões entre países, que depende do Acordo de Paris. Essa parte do acordo foi congelada por falta de consenso, mas voltará a ser discutida em 2021.

Nas iniciativas locais, a criação de mercados, assim como a tributação sobre emissões, é um instrumento para reduzir a poluição. Diferentemente das iniciativas voluntárias de empresas que buscam neutralizar suas emissões, os mercados são instituídos obrigatoriamente pelos governos. Em geral, cada agente econômico tem uma quantidade de gases que pode emitir, a ser “comprada” em leilões, como nas licitações de radiofrequência. Os direitos de emitir são traduzidos em títulos financeiros. Assim, um agente que precise emitir além do permitido também pode comprar de outro que tenha títulos “sobrando”. A negociação definirá o preço de emitir carbono. (Colaborou Denise Luna). As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.