Á QUATRO ANOS A MERCK Sharp & Dohme teve de enfrentar um dos períodos mais críticos de sua história. O Vioxx, seu principal antiinflamatório, responsável por 15% de suas vendas globais, foi retirado das prateleiras do dia para a noite em todo o mundo, por decisão da própria companhia. Cerca de US$ 2,5 bilhões deixaram de ir para o caixa da empresa, que perdeu a liderança de mercado, disputado por rivais como Novartis e Pfizer. Refeita do tombo por aqui, onde o Vioxx era líder com US$ 30 milhões em vendas, a subsidiária americana da Merck ensaiou uma volta por cima relâmpago. O Arcoxia, outro popular antiinflamatório do grupo, chegou à primeira colocação do segmento, com fatia de 10%, no mesmo ano em que o Vioxx sumiu das farmácias. Foi aí que a história se repetiu. A Anvisa, a agência que controla a venda de medicamentos, decidiu há duas semanas proibir por aqui a comercialização do Arcoxia 120 mg. Não só o nome do laboratório acabou envolvido em outro episódio delicado, como o caixa sofreu um novo baque. E a vida da Merck embolou de novo.

Nas farmácias ainda são vendidas as dosagens de 60 miligramas e 90 miligramas, ambas liberadas pela Anvisa. Mas o fim da comercialização da versão 120 mg provocará impactos negativos no faturamento da companhia. Os mais de US$ 50 milhões esperados com a venda do remédio em 2008 no País, conforme DINHEIRO apurou, já foram revistos para baixo. Com base na venda mensal da versão 120 mg em 2007, são cerca de US$ 2 milhões a menos por mês na sua venda – ou seja US$ 24 milhões por ano. Procurada, a empresa não localizou um porta-voz para se manifestar. Ficaria tudo mais fácil se um substituto para o carro-chefe do Arcoxia estivesse prestes a ser lançado. Não é o caso. As opções do consumidor acabaram recaindo sobre os concorrentes diretos do Arcoxia – o Cataflam e o Voltaren, ambos da Novartis, que ocupam a segunda e terceira colocações no ranking geral. “A interrupção do Vioxx aumentou em 50% a venda do Arcoxia e fez a participação do remédio crescer em mais de três pontos percentuais nos últimos anos. Boa parte dessa migração de consumidores se deu para o produto de 120 miligramas”, conta um consultor do setor e ex-diretor da Merck.

Nesse processo é natural também que respingos atinjam a marca como um todo. Dados de 2007 do instituto IMS Health mostram que o Arcoxia chegou a somar mais de 10% de participação nas vendas no ano passado. O Cataflam, em seu calcanhar, chegou a encostar nos 9%. “Essa alta penetração tende a se reduzir com a retirada da linha de 120 miligramas e as dosagens mais baixas do produto podem sofrer uma rejeição inicial dos consumidores. Assustados com a informação dos riscos do produto, eles tendem a pedir que o médico substitua o remédio por outro”, conta Sheila Albuquerque, analista de marcas da FocusMidia. Todos os anos são vendidos cerca de US$ 400 milhões em antiinflamatórios no Brasil. São mais de 70 milhões de pílulas consumidas anualmente, e algo entre 12 a 15 milhões de consumidores que pagavam R$ 30 a R$ 40 pela caixa de quatro comprimidos do Arcoxia 120 mg, preço mais salgados que o cobrado pelo Voltaren ou Cataflam.

A batalha da Merck para evitar a decisão de retirada do produto é antiga. O Arcoxia foi lançado no País em 2002 e há quatro anos vinha sendo investigado pelas agências internacionais exatamente por conta das supostas contra-indicações nocivas do Vioxx. Representantes do laboratório percorreram conceituados encontros médicos no mundo para mostrar ao FDA, o órgão de controle norte-americano, que não haveria riscos à saúde da população. Estudos mostraram que o Arcoxia provoca quase três vezes mais ataques cardíacos, derrames e mortes do que o Naproxeno, um popular analgésico. Mas não foi suficiente. O órgão americano questionava a prática da empresa em defender o produto por meio de pesquisas que o comparavam exatamente a remédios em que o enfarto é reação possível, informou o Washington Post. O Arcoxia não teve sinal verde do FDA para ser vendido nos EUA. Pelo menos por lá a Merck não precisará computar perdas.