O executivo José Tadeu Alves, 51 anos, presidente do laboratório Merck Sharp & Dohme no Brasil, já havia se programado para assistir à Copa do Mundo na Alemanha. Mas uma notícia vinda dos Estados Unidos, um dia antes da abertura do torneio, deixou o futebol em segundo plano. No dia 8 de junho, o Food and Drug Administration (FDA), órgão que aprova a comercialização dos medicamentos e alimentos no mercado americano, dava sinal verde para um nova vacina desenvolvida pela empresa. Chamada de Gardasil, a droga previne o HPV, um vírus sexualmente transmissível que tem mais de 100 subtipos, alguns deles causadores de câncer de colo de útero. ?Foi uma notícia tão boa quanto ganhar a Copa do Mundo?, compara Tadeu. Para se ter uma idéia do que a vacina representa, basta analisar alguns dados da doença: o câncer cervical mata 300 mil mulheres por ano e é a segunda maior causa de morte entre o sexo feminino. Além dos benefícios para a saúde, a invenção irá, definitivamente, vitaminar o balanço financeiro da Merck (não confundir com a alemã Merck KGaA), uma potência que fatura US$ 22 bilhões. ?Acreditamos que o Gardasil renderá US$ 3 bilhões no próximo ano?, diz Tadeu. É apenas o primeiro de uma série de lançamentos que o laboratório promete colocar no mercado até 2009. Virão por aí 29 produtos que, nas palavras do próprio executivo, farão nascer ?uma nova Merck com o dobro das vendas atuais?.

Só no próximo ano, a empresa americana vai lançar, além do Gardasil, mais dois medicamentos poderosos. Um deles é a vacina Rotateq, contra o rotavírus, uma doença intestinal que atinge 2,7 milhões de crianças por ano. O outro será o Januvia, remédio que inibe a progressão da diabetes. Ambos estão na categoria dos blockbusters, como são conhecidos os medicamentos campeões de venda. A Merck calcula que cada um deles deva gerar algo em torno dos US$ 3 bilhões em vendas. Ou seja, a soma do Gardasil com o Rotateq e mais o Januvia renderá US$ 9 bilhões ao laboratório. É como se, da noite para o dia, fosse criada uma empresa duas vezes maior do que as Casas Bahia, a maior rede de varejo do País. Para desenvolver as drogas, entretanto, levou-se muito tempo, uma média de 12 anos. ?O lançamento de produtos também está relacionado a elevados custos?, diz Carolina Marchiori Bezerra, analista setorial da Lafis Consultoria. A criação de um medicamento demanda investimentos que variam de US$ 800 milhões até US$ 1,2 bilhão. ?Aplicamos US$ 4 bilhões em pesquisa todos os anos?, afirma Tadeu. Com um quadro de quatro mil cientistas, os testes de cada remédio são feitos em escala global. O Gardasil, por exemplo, foi usado em 27 mil mulheres em mais de 33 países.

A vacina deve ser liberada no Brasil até o fim do ano. Nos EUA, será encontrada a partir de julho. O governo americano estuda ainda pô-la no calendário de vacinas obrigatórias. Grupos religiosos são contrários, por achar que isso vai gerar a promiscuidade. ?Pode-se prevenir a doença não fazendo sexo antes do casamento?, disse Linda Klepacki, da Ong americana Focus on the Family, ao jornal The New York Times. Essa resistência de parte da sociedade americana terá de ser quebrada pela Merck. A tarefa, aparentemente, parece mais fácil diante dos problemas que a companhia já enfrentou. Em 2004, ela teve que retirar de circulação o anti-inflamatório Vioxx. Suspeitava-se que ele causava infarto. O efeito colateral foi destrutivo. O valor de mercado da empresa caiu de US$ 100 bilhões para US$ 70 bilhões e até hoje há milhares de ações judiciais contra a companhia. Os novos lançamentos parecem cauterizar o abalo de confiança de Wall Street. Pudera: encontrar a cura é o modo de fazer dinheiro da Merck.