O mar em dois tons de azul, a areia clara e a presença de dezenas de vendedores e turistas na manhã desta sexta-feira, 25, dava uma aparência de “normalidade” para a praia do Cupe, a menos de uma hora de Recife. No horizonte, em meio aos banhistas, uma pequena balsa de madeira com tonéis indicava, contudo, que o óleo que havia chegado a quase uma semana permanece na região.

Mutirões conseguiram retirar o óleo da faixa de areia da praia, vizinha de Porto de Galinhas, ambas localizadas em Ipojuca. A substância agora se concentra junto aos corais, a poucos metros da faixa de areia, e no fundo do mar (em vez da superfície, como costuma ocorrer).

O óleo é retirado principalmente por salva-vidas, mergulhadores voluntários e trabalhadores do entorno. Por ser muito viscoso, retirá-lo com luvas se torna uma tarefa difícil. Por isso, as equipes improvisaram peneiras com arcos de bicicleta e baldes cortados, afixados a sacos de alimentos e fios de nylon. Os trabalhos se estendem por cerca de cinco horas por dia, a depender da maré, que precisa estar baixa.

“A ondulação e a correnteza dificultam o trabalho de quem está mergulhando. O balançado faz com que você não consiga catar direito. Com a maré baixa, fica um pouco mais fácil”, comenta o instrutor de mergulho Flávio de Lima, de 31 anos. A retirada é feita com equipamento profissional, inclusive com o uso de cilindros de oxigênio.

“É um mergulho raso, dá para ficar muito tempo. A apneia (sem os cilindros) é mais desgastante”, comenta. “A gente está usando um equipamento que a gente sabe que depois vai ter que dispensar. É um sacrifício da gente em prol do meio ambiente”, diz.

Também mergulhador, Tomaz Funari, de 39 anos, critica o fato do trabalho vir sendo feito majoritariamente por voluntários e guarda-vidas, sem a presença mais expressiva de agentes de outras esferas públicas. Ele aponta, contudo, um aspecto que lhe parece positivo: “a gente vê peixe perto dos corais, e não apareceu nenhum morto por aqui.”

Além dos mergulhadores, os salva-vidas (aqui chamados de guarda-vidas) também participam da retirada de óleo. “A gente tem equipamento e também pega emprestado se precisar”, relata João Apolônio, de 34 anos. “A gente precisa se unir. Se o turista souber que tem óleo, não vai vir.”

Na parte menos profunda dos corais, a retirada do óleo era feita manualmente por funcionários de um restaurante à beira-mar. Eles foram dispensados das funções para realizar a atividade durante o expediente. Alguns se arriscavam ao pegar o petróleo diretamente com a mãos. Nenhum usava máscara.

Um deles era o garçom Pedro do Nascimento, de 21 anos. “O chefe pediu e a gente quis se envolver também”, afirmou. Ele diz não ter sentido reações à atividade, embora colegas tenham relatado diarreia e alergia.

Turismo

O óleo na costa é tema frequente de comentários e conversas entre locais e turistas em Ipojuca. A cidade recebeu nesta sexta-feira, 25, a visita do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, que anunciou uma linha de crédito específica para empresários do ramo de áreas atingidas.

O ministro ressaltou que as áreas estariam aptas para banho, embora o governo de Pernambuco não recomende contato com águas que tenham óleo visível. Alguns empresários e trabalhadores do setor, por outro lado, até evitam falar sobre o tema e criticam as notícias sobre os possíveis efeitos tóxicos associados ao contato com o petróleo.

Gerente de uma pousada no município, Alécio Júnior, de 32 anos, já foi procurado por diversos hóspedes a respeito da situação. “Muitos ligam perguntando. Tem até gente da Argentina mandando e-mail. A gente recebe muito argentino, uruguaio, gente da América do Sul. Está se espalhando a notícia. Já teve gente querendo cancelar.”

Entre os turistas da Praia do Cupe, os ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo relataram que ficaram receosos com as manchas de óleo, mas decidiram manter os planos de viagem. “O óleo assustou, a gente achou que não iria aproveitar, mas não vimos nada. Sim, vi que estão limpando, mas foi rapidinho (o banho no mar). A água está linda”, comenta a empresária Viviane de Lúcio, de 44 anos, que é de Americana, interior de São Paulo.

Também de São Paulo, da cidade de Guararapes, o bancário Renato Ferreira, de 43 anos, está em Ipojuca com a filha e a mulher. “O óleo deixou a gente bastante preocupado, estávamos acompanhando todas as notícias. A gente ficou tranquilo apenas quando chegou. Vi um rapaz com manchas, mas foi algo pontual. O resto está normal, a gente só não vai consumir peixes.”

Já o administrador Alessandro de Cunha Sousa, de 47 anos, estava com a mulher e os dois filhos de sete anos, vindos de Goiânia. Eles procuraram um guarda-vidas da região após terem percebido pequenos fragmentos de óleo no corpo. “Não senti nada, nenhuma reação”, garante.

Corais em risco

O óleo que chegou a Ipojuca deve agravar um histórico de deterioração dos recifes de corais na região. É o que aponta o professor de Biologia Ralf Cordeiro, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). “É o prego que faltava no caixão.”

Ele diz que o Nordeste já havia sido “muito afetado” nas décadas de 60 e 70, quando rejeitos de cana de açúcar eram descartados na costa sem tratamento adequado. “Esse rejeito vinha diretamente para os recifes, o que causou uma mortandade maciça.”

Ao estar próximo do óleo, o coral pode entendê-lo como um possível alimento e absorvê-lo, explica o professor. “O que está no meio, vem para dentro. Aí, a tendência é a necrose dos tecidos e boa parte tende a morrer.”

Como exemplo, ele cita um vazamento de petróleo há nove anos no Golfo do México, que gerou um grande impacto ambiental. “Naquele acidente, o impacto não foi tão imediato, foi mais a longo prazo. Os corais não respondiam imediatamente”, comenta. “É possível que os corais se regenerem, afinal os recifes estão constantemente morrendo e se regenerando, mas a médio e curto prazo, a perspectiva é de uma mortandade muito grande.”

O professor comenta ainda que uma expectativa a longo prazo também não é otimista, pois envolve fatores como as mudanças climáticas e a presença de resíduos industriais e agrotóxicos no ambiente marinho. “As próximas gerações vão sentir isso. Afeta os peixes que se alimentam e se reproduzem ali. A gente visitou praticamente todos os recifes do litoral sul e quase todos ainda têm ao menos frações pequenas com um pouco de contaminação. Não lembro nenhuma localidade que não tenha vestígio.”