15/08/2014 - 20:00
A história se repete. Como diria Karl Marx, primeiro como tragédia, depois como farsa. Em julho de 2013, o presidente russo Vladimir Putin embarcou no submarino Sea Explorer 5 para visitar o golfo da Finlândia. A região, considerada histórica para os russos, é lembrada pelo naufrágio, em 1869, do navio de guerra Oleg, que colidiu com outra embarcação enquanto manobrava. Um ano após o passeio inusitado para encontrar os restos da fragata, Putin e o mundo se depararam com o acidente aéreo da Malaysia Airlines na Ucrânia, que deixou 298 mortos. A tragédia, que teria sido provocada por rebeldes da Crimeia, foi o estopim para que Estados Unidos e União Europeia ampliassem as sanções econômicas contra a Rússia.
O objetivo do presidente Barack Obama e de Jean-Claude Juncker, da Comissão Europeia, é pressionar Putin a acabar com o apoio velado aos separatistas. Como resposta, o líder russo anunciou, na semana retrasada, que não irá mais importar produtos agrícolas das duas potências e da Austrália durante um ano. Era a deixa para o Brasil aumentar em até US$ 700 milhões suas exportações, mas a União Europeia já reagiu às pretensões do País. Há dez anos no radar dos exportadores brasileiros de carne, o mercado russo só não se tornou maior por conta de dificuldades logísticas.
Além disso, a burocracia imposta pela vigilância sanitária russa aos frigoríficos nacionais impediu que o consumo fosse maior. O cenário, porém, sofreu uma reviravolta. Para garantir o abastecimento do mercado interno, Putin liberou, no início do mês, a compra de mais de 80 unidades brasileiras. De acordo com o presidente da Associação do Comércio Exterior do Brasil, José Augusto de Castro, o País vai se beneficiar com a comercialização das carnes suína, bovina e de frango. “O mais importante para nós é pensar no mercado que poderemos manter quando a sanção for suspensa”, diz. Em meio à crise econômica internacional, o Brasil exportou quase US$ 3,5 bilhões de carne bovina no primeiro semestre deste ano, alta de 13% em relação a 2013.
Segundo a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes, o crescimento ocorreu pela alta na demanda de Hong Kong e Rússia. Se pegar carona no embargo imposto pelos russos, o número tende a subir. “Não temos como cravar um valor, mas podemos aumentar o faturamento em até US$ 700 milhões”, diz Francisco Turra, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal. O entusiasmo dos empresários brasileiros tem preocupado a União Europeia. Representantes do bloco econômico pretendem procurar os países que substituirão suas exportações para pedir que não lucrem com a situação, o que beneficiaria a Rússia.
Para persuadir o Brasil, os europeus colocarão sobre a mesa a negociação de um acordo de livre-comércio com o Mercosul, que já se arrasta há 15 anos. Para o ex-ministro das Relações Exteriores do governo FHC, embaixador Rubens Barbosa, o Brasil não deve se preocupar com possíveis pressões do bloco europeu, pois não será prejudicado por ele. Além disso, Barbosa lembra que as sanções adotadas por Estados Unidos e União Europeia são unilaterais. “O que existe é uma certa hipocrisia da União Europeia para que a gente se una às medidas impostas por eles”, diz Barbosa. “As empresas brasileiras não têm de tomar partido, elas devem exportar.”