30/06/2025 - 16:00
Em documentário, ex-chanceler federal alemã rechaça política adotada por Friedrich Merz para barrar requerentes de asilo sem documentos de ingresso válido nas fronteiras do país. Após críticas, governo rebate MerkelA ex-chanceler federal alemã,Angela Merkel , criticou a decisão do novo governo de Friedrich Merz de barrar migrantes irregulares na fronteira, incluindo até mesmo requerentes de asilo.
“Quando alguém diz ‘asilo’ aqui na fronteira alemã, então um procedimento deve ocorrer. Diretamente na fronteira, se quiser, mas um procedimento”, disse Merkel em um trecho de documentário exibido nesta segunda-feira (30/06) pela emissora alemã ARD. “Foi assim que eu entendi o direito europeu”, afirmou.
Na produção, Merkel se encontrou com ex-refugiados para um documentário que marca os 10 anos de sua histórica decisão de manter as fronteiras da Alemanha abertas durante a crise migratória europeia de 2015.
Em agosto de 2015, sua frase “vamos conseguir” se tornou símbolo da missão imposta por ela de receber solicitantes de asilo na Alemanha, mesmo quando a responsabilidade de acolhê-los fosse de outro país da União Europeia segundo o Regulamento de Dublin.
Segundo este regulamento, o país responsável pela análise de um pedido de asilo na União Europeia é normalmente aquele pelo qual o imigrante entrou no bloco. Isso permitiria à Alemanha, por exemplo, recusar uma solicitação feita em seu território e exigir que o solicitante retorne ao Estado-membro encarregado do seu caso.
Contudo, sempre que uma solicitação de asilo é feita há um procedimento a ser seguido, mesmo que na fronteira, o que impede a simples recusa automática do solicitante sem análise de caso. Tribunais europeus já decidiram contra os chamados “pushbacks”, quando grupos de imigrantes são sistematicamente recusados sem ter sua situação apurada.
A política de acolhida de Merkel
Em 2015, Merkel permitiu à Alemanha analisar o pedido de milhares de imigrantes que entraram em território europeu por outros países devido ao alto fluxo e às condições desumanas em que chegavam à Europa.
Isso levou milhares a solicitarem asilo na Alemanha, a maioria de origem síria. Muitos deles se estabeleceram no país desde então, contribuíram significativamente para a economia e adquiriram nacionalidade alemã.
Por outro lado, a decisão de Merkel também gerou reação negativa, e ampliou uma plataforma antii-migração no país, encampada principalmente pelo partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD).
Merz aumenta controle de fronteiras
Diferente de sua antecessora, o chanceler federal alemão Friedrich Merz, membro do mesmo partido União Democrata Cristã (CDU), impôs regulamentos rígidos anti-imigração desde que assumiu o poder no mês passado – incluindo a polêmica política de rejeitar solicitantes de asilo na fronteira sem análise de caso.
Embora um tribunal de Berlim tenha derrubado essa medida no início deste mês no caso de três somalis que foram impedidos de entrar no país mesmo tendo solicitado asilo, Merz e o ministro do Interior, Alexander Dobrindt, classificaram a decisão como “um caso isolado” e mantiveram a política em vigor.
Thorsten Frei, chefe de gabinete de Merz, rejeitou as críticas de Merkel.
“Se alguém já recebeu asilo em algum lugar da Europa, se alguém chegou até nós por meio de países seguros, então, é claro, não estamos lidando com alguém que está fugindo, mas com pessoas que vêm de países seguros”, disse ele à ARD nesta segunda-feira.
Frei defendeu a frase “Vamos conseguir”, de Merkel, mas disse que “os tempos mudaram”.
“Quando um chefe de governo diz ‘vamos conseguir’, essa é a atitude correta. Porque é isso que se espera de um governo – que ele não enfie a cabeça na areia, mas enfrente os desafios”, afirmou.
“Mas os tempos mudaram, é claro”, acrescentou Frei. “Ainda em 2019, quando Angela Merkel estava no governo, nós elaboramos um grande pacote de migração que também incluía uma lei para melhorar a deportação. Portanto, está absolutamente claro que precisamos fazer mais para organizar, controlar e, acima de tudo, limitar a migração.”
O desafio migratório de Merkel
Apesar de pertencerem ao mesmo partido, Merkel e Merz mantêm uma rivalidade de longa data, em especial no tema da imigração.
Em uma rara declaração desde que deixou o cargo em 2021, Merkel chegou a criticar publicamente a decisão de Merz de aprovar uma moção anti-imigração no Parlamento alemão com votos da AfD em janeiro deste ano, antes de ser eleito.
No trecho do documentário exibido nesta segunda-feira, Merkel afirmou que sempre procurou evitar deixar que sua política migratória fosse pautada pela ultradireita.
“Eu não posso simplesmente falar o tempo todo sobre a AfD e adotar sua agenda. Também preciso considerar a agenda de todos aqueles que dizem: sim, precisamos reduzir o número de migrantes ilegais, mas também precisamos continuar defendendo nossos valores”, declarou.
Por outro lado, Merkel apoiou a política do governo atual de exigir a deportação de uma pessoa que teve seu pedido de asilo negado depois de analisado. É o caso de suspeitos de impetrar atentados nos últimos meses na Alemanha, que deveriam ter sido deportados devido ao seu status irregular.
Para ela, o país deve ser capaz de devolver tal imigrante ao país de origem.
gq (DPA, ots)