Governistas e opositores acusam líder alemão de romper tradição diplomática e contrariar o direito internacional ao agradecer a Israel por ataques contra o Irã.O chanceler federal da Alemanha, Friedrich Merz, sofreu fortes críticas de quadros políticos do país após afirmar que Israel faz o “trabalho sujo” para o Ocidente ao mirar o programa nuclear iraniano em ataques sem precedentes que passaram a atingir também áreas residenciais no Irã.

“Este é o trabalho sujo que Israel faz para todos nós”, disse Merz na terça-feira (17/06) à emissora alemã de TV ZDF. “Só posso dizer [que temos] grande respeito pelo fato de o Exército israelense e o governo israelense terem a coragem de fazer isso”, acrescentou, em entrevista concedida no Canadá, onde participou da cúpula do G7.

O conflito entre Irã e Israel, que já dura seis dias, deixou mais de 200 mortos no lado iraniano e 24 no lado israelense, segundo autoridades, além de centenas de milhares de feridos. Também provocou cenas caóticas em Teerã, de onde milhares de civis fugiram.

A declaração de Merz foi rechaçada por políticos alemães, incluindo membros do Partido Social-Democrata (SPD), sigla que compõe o governo de coalizão. Para muitos, a mudança de tom do chanceler rompe com a tradição diplomática alemã, desconsidera vítimas civis e contraria o direito internacional.

Declaração “extremamente perigosa”

Para o parlamentar social-democrata Ralf Stegner, especialista em política externa, Merz sugere que os ataques realizados pelo primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, seriam “presumivelmente contrários ao direito internacional” ao chamá-los de “trabalho sujo”.

“Para um representante da Alemanha, qualquer demonstração pública de alívio é totalmente inadequada. Isso vale ainda mais quando se leva em conta os inegáveis riscos significativos de escalada”, disse Stegner nesta quarta-feira (18/06) à revista alemã Der Spiegel.

Já Siemtje Möller, vice-líder da bancada do SPD no Bundestag (câmara baixa do parlamento alemão), disse ao portal de notícias t-online que esse tipo de retórica é preocupante num momento em que “todos os líderes políticos precisam de tato diplomático na comunicação pública”, dada a situação “altamente sensível e extremamente perigosa” no Oriente Médio.

Merz “abandona o direito internacional”

As reações vieram também de outros espectros políticos. Sören Pellmann, líder do partido A Esquerda no Bundestag, acusou o chanceler de “jogar o direito internacional pela janela”.

“O fato de o chanceler Merz agora estar abandonando o direito internacional e adotando a lógica desastrosa da ‘lei do mais forte’ é um escândalo e prejudica enormemente a reputação da Alemanha nas Nações Unidas e além”, disse Pellmann à agência de notícias dpa.

O copresidente do partido A Esquerda e membro da Comissão de Relações Exteriores do Bundestag, Jan van Aken, acusou o chanceler de zombar das vítimas civis do conflito. “Merz deveria limpar um banheiro. Assim, ele saberia o que significa trabalho sujo”, afirmou ao jornal alemão Sueddeutsche Zeitung.

Já Anton Hofreiter, deputado do partido Verde, que faz oposição ao governo, disse à emissora Welt TV que a escolha de palavras de Merz foi “desajeitada”, já que “civis também estão morrendo nos ataques de Israel ao Irã”.

A chefe do partido populista de esquerda BSW, Sahra Wagenknecht, apontou que o líder alemão rompe com a tradição alemã de “contenção e moderação na política externa” e que sua fala é um “descarrilamento sem precedentes” diante de um conflito que faz vítimas civis.

“Nem uma palavra sobre desescalada. Mesmo a entrada dos EUA na guerra aparentemente não seria um problema para Merz. O fato de uma conflagração estar agora ameaçando o Oriente Médio não vale uma única palavra para o chanceler”, disse Wagenknecht em publicação no X.

Alemanha enfatiza risco do programa nuclear iraniano

Um porta-voz do governo respondeu às críticas, reforçando que Merz apenas enfatizou o risco que o programa nuclear iraniano representa a Israel e ao mundo.

A Alemanha defende o direito de Israel se defender, e endossa a posição de que uma bomba nuclear nas mãos do Irã colocaria em risco a existência de Israel.

Em nota conjunta, a cúpula do G7 também reforçou apoio à ação israelense ao acusar o Irã de ser “fonte de instabilidade e terror” no Oriente Médio.

gq/ra (dpa, ots)