09/08/2025 - 17:28
Especialistas ouvidos pela DW reconhecem esforço para barrar retrocessos, mas temem autorização de projetos de grande impacto poluidor em nova categoria de licenciamento especial.A resposta do governo de Luiz Inácio Lula da Silva ao projeto de lei que flexibiliza o licenciamento ambiental (2159/2021) foi bem recebida por pesquisadores e sociedade civil. A Presidência apresentou nesta sexta-feira (08/08) – prazo final para se posicionar – vetos a 63 trechos e disse que enviará ao Congresso um novo texto para substituir o que foi barrado.
“Vetar tudo geraria um confronto pior, embora fosse até recomendado por conta do teor da lei aprovada, que liberou geral. Mas agora se abre um novo espaço para melhorar os pontos mais polêmicos”, diz à DW Mercedes Bustamante, professora de ecologia na Universidade de Brasília (UNB).
No geral, os vetos foram muito positivos, avalia Gabriela Savian, diretora de Políticas Públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) em entrevista à DW. “Como estava, o projeto de lei desestruturava a política ambiental como um todo, e os vetos impediram isso”, adiciona.
Em meio a um Congresso Nacional regido pela oposição, onde sessões recentes foram marcadas por graves insultos à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, especialistas ouvidos pela DW reconhecem o esforço político do governo para vetar pontos da lei
“É preciso reconhecer que os vetos enfrentaram pontos importantes e problemáticos, e não deve ter sido fácil alcançar consenso político para tantos. Eles abrangeram temas como o autolicenciamento, retirada dos direitos de povos indígenas e quilombolas”, afirma à DW Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima (OC) e ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
O projeto era discutido no Congresso desde 2004, e em 2021 foi aprovado na Câmara dos Deputados com um texto diferente da proposta inicial. Depois de passar em maio pelo Senado, ele retornou aos deputados e foi aprovado durante a madrugada do dia 17 de julho.
Restrição e liberação de licenças
Um dos pontos vetados mais elogiados foi a restrição da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) a empreendimentos de baixo potencial poluidor. Segundo o texto aprovado no Congresso, a LAC, uma espécie de autolicenciamento, se aplicaria também a atividades de médio potencial poluidor – o que abrangeria estruturas como barragens de rejeitos, por exemplo.
A proposta do licenciamento monofásico também foi retirada da lei. O modelo concentraria todas as etapas do processo em uma única análise e substituiria as três etapas atuais: licença prévia, licença de instalação e licença de operação.
As atividades ligadas ao agronegócio poderão ficar isentas de licenciamento, como estava previsto no projeto de lei (PL). Só a pecuária intensiva de médio e grande portes ficam obrigadas a passar pelo processo de licenciamento. Essa mudança ainda gera preocupações.
“Isso quer dizer que uma plantação de 10 mil hectares de eucalipto, por exemplo, poderá ser feita sem licença. É preocupante porque, antes de dar uma licença geral, como será agora, teria que ser analisado qual é o impacto de cada tipo de empreendimento”, critica Araújo.
Savian, do Ipam, pontua que algumas atividades realizadas dentro de propriedades rurais, como agroindústria, podem produzir resíduos poluentes e criar um grande problema ambiental. A única coisa que mudou com o veto de Lula é que, antes de serem dispensados do licenciamento, esses empreendimentos passarão por uma análise do Cadastro Ambiental Rural, o CAR.
Para o Ipam, a medida diminui um pouco o risco de grilagem, já que muitas fazendas têm registros fraudulentos que se sobrepõem a unidades de conservação e outras áreas sensíveis, como Florestas Públicas Não Destinadas.
O respeito aos direitos
Lula tirou da lei os trechos que excluíam a obrigatoriedade da consulta a órgãos responsáveis pela proteção dos direitos de povos indígenas e quilombolas em caso de empreendimentos que geram impactos a essas populações. O veto, diz a presidência, assegura a participação mais ampla e previne conflitos nos territórios tradicionais, além de preservar o teor da Constituição Federal.
Entre os pontos elogiados pelo WWF Brasil estão a permanência do parecer de entidades como Instituto Chico Mendes da Biodiversidade (ICMBio) e conselhos de unidades de conservação. Essas entidades precisam ser ouvidas em casos de empreendimentos que afetam unidades de conservação, e a proposta aprovada no Congresso anulava esse papel.
“Os vetos vão ao encontro do clamor da sociedade, que se mobilizou amplamente contra o texto do PL aprovado pela Câmara e pelo Senado. A pressão dos diferentes setores, sinalizando a gravidade do PL foi muito importante para que o governo federal se posicionasse, mesmo com toda a sensibilidade política com o Congresso Nacional”, comentou Ana Carolina Crisostomo, especialista em conservação do WWF-Brasil.
A SOS Mata Atlântica comemorou os vetos como um marco importante para a legislação ambiental, especialmente para a floresta tropical que ainda resta na costa brasileira. O artigo 66 da lei aprovada no Congresso acabava com o regime de proteção especial previsto na Lei da Mata Atlântica em relação ao corte de floresta nativa.
“Essa é uma vitória da sociedade: a lei da Mata Atlântica foi sancionada pelo presidente Lula e pela ministra Marina Silva no primeiro governo do presidente, e não poderíamos agora, nas vésperas da COP30, perder essa legislação”, afirmou Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da SOS Mata Atlântica, em nota.
Licença Ambiental Especial preocupa
Para Savian, a lei deixa de fora as premissas que precisam ser analisadas na atual emergência climática. Ela defende que o impacto no clima das atividades licenciadas precisaria ser considerado no processo.
“O Brasil assumiu compromissos climáticos, e atividades de grande porte, como exploração do petróleo, afetam significativamente essas metas. O prejuízo foi bastante mitigado com os vetos, mas falta uma componente do planejamento estratégico climático perpassando o licenciamento ambiental”, explica a pesquisadora.
A criação da Licença Ambiental Especial (LAE) na nova lei é um dos pontos mais polêmicos apontados pelo movimento ambientalista e pesquisadores. Esse processo é uma via rápida para atividades e empreendimentos considerados estratégicos pelo Conselho de Governo em que o órgão ambiental terá no máximo um ano para dar uma resposta ao pedido de licença ambiental – independentemente da complexidade da obra.
“A LAE é frágil. Ela não define o que é uma atividade especial, qual é o seu tamanho, qual é o impacto, o que pode ser considerado dentro dessa forma mais simplificada”, avalia Savian.
Para Juliano Bueno de Araújo, conselheiro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e diretor do Instituto Internacional Arayara, a medida foi articulada pelo próprio governo para viabilizar megaempreendimentos como exploração de petróleo, especialmente na bacia marítima da Foz do Amazonas, além de projetos de exploração de urânio, mineração e termelétricas.
“Cria-se uma licença por pressão política, mesmo para empreendimentos com Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Isso desestrutura o processo e viola princípios básicos da administração pública”, critica John Wurdig, gerente de transição energética do Arayara.
Um mapeamento feito pelo instituto aponta mais de 2.600 empreendimentos fósseis que poderiam ser enquadrados como estratégicos pelo governo. “A LAE, nesses casos, sobrepõe-se a qualquer outro rito de licenciamento, eliminando etapas como licença prévia, audiência pública, parecer técnico e consulta a comunidades tradicionais”, argumenta a nota divulgada pela organização.
Para Suely Araújo, a LAE se tornou um grande problema e não deveria existir. Para ela, não se pode admitir que certos empreendimentos, só por serem considerados estratégicos para o governo, tenham normas especiais. Os requisitos para licenciamento deveriam ser os mesmos.
“Imagine uma usina de Belo Monte resolvendo todas as questões ambientais e sociais previstas num licenciamento em um ano. É inexequível”, cita como exemplo a construção da hidrelétrica na Amazônia cercada por polêmicas. “A gente entende que a LAE está num contexto de um pacto político, dá pra entender a racionalidade do governo, mas não dá para aceitar”, complementa Araujo, mencionando que empreendimentos de grande impacto passarão pela fila rápida da LAE.
Na mesma data em que sancionou o PL com os vetos, Lula assinou uma Medida Provisória que garante que a LAE já entre em vigor.
O que vem agora
Mercedes Bustamante, que presidiu a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), lembra que a interpretação do que é estratégico ficará ao sabor de quem governa – e isso pode mudar drasticamente a cada administração.
“Isso vai depender de quem está no poder. É preciso colocar contrapesos técnicos de avaliação para a LAE”, menciona.
Com os vetos, a lei entra numa nova etapa, que inclui a negociação com o Congresso, um ponto complicado nesta administração. As discussões dos parlamentares têm se mostrado bastante influenciadas pelo julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, acusado de liderar uma trama golpista contra o Estado democrático de Direito.
“Espero que nesse processo de negociação que volta a se abrir com o Congresso, o governo tenha uma articulação mais forte para defender posicionamento que foram colocados com os vetos”, afirma Bustamante.
A movimentação, pontua, vai exigir grande mobilização da sociedade, força que, segundo a pesquisadora, foi fundamental para influenciar o posicionamento do governo Lula à proposta inicial aprovada pelos parlamentares.