Fazer negócios no Brasil não é fácil. Excesso de burocracia, excesso de impostos, excesso de instabilidade. As coisas se tornam ainda mais complicadas se um empreendedor resolve tocar seu negócio num mercado de baixo poder aquisitivo. Pois um sergipano de 1,70 metro de altura, com sotaque carregado e fala mansa chamado João Carlos Paes Mendonça restringiu sua atuação à porção mais pobre do território brasileiro, o Nordeste, e lá ergueu um sólido império do varejo brasileiro, a rede de supermercados Bompreço. Graças a ela, tornou-se um dos poucos empresários nordestinos a ombrear, em tamanho e importância, com pesos pesados do capitalismo do Sul do País, como Abílio Diniz e Antônio Ermírio de Moraes. Agora, essa história acaba de virar livro. João Carlos Paes Mendonça ? Vida, Idéias e Negócios, do jornalista Mário Hélio, relata a trajetória desse empreendedor que, a partir de um armazém em Ribeirópolis (SE), criou uma rede de supermercados com mais de 100 lojas e faturamento próximo dos R$ 3 bilhões. Não se encontrará na obra de Hélio revelações surpreendentes ou segredos até agora desconhecidos ? trata-se, afinal, de uma biografia autorizada.

O mérito do livro está em outros ingredientes. Ao longo de 348 páginas, o pano de fundo da trajetória de Paes Mendonça é a história política e econômica do País. Em momento algum, as duas aparecem divorciadas. O relato também é pontilhado pelas idéias e conceitos de gestão do empresário, o que ajuda a entender seu sucesso profissional e a extrair lições.

A principal delas: uma permanente insatisfação com a obra já realizada. Cada vez que o sucesso parecia definitivo, Paes Mendonça iniciava a construção de algo maior, num eterno recomeçar. Quando seu primeiro armazém em Aracaju já se tornara um próspero negócio, resolveu abrir uma filial em Propriá, no interior sergipano. Anos depois, em 1965, com uma posição social invejável em Sergipe, largou tudo para dar aquele que seria o maior e mais arriscado passo de sua carreira: a mudança para Recife com o objetivo de abrir seu primeiro supermercado. Logo tornou-se um empresário de prestígio no varejo local, mas isso era insuficiente. Remodelou todas suas lojas com as novidades que vira em diversas viagens ao exterior e inaugurou sua fase de expansão mais acelerada. Diante da secura de financiamento, inventou um cartão de crédito, o Hypercard, que se tornou a bandeira mais aceita do Nordeste, superando gigantes como Visa e Mastercard.

Quando o Bompreço estava nas primeiras posições no ranking brasileiro de supermercados, Paes Mendonça enviou um comunicado a todos os funcionários, anunciando a venda da rede para os holandeses do Royal Ahold. Era o ponto final na carreira do mestre nordestino do varejo, mas não da atividade do empreendedor. Hoje, aos 66 anos, Paes Mendonça é um grande investidor imobiliário. Junto com outros sócios, é dono de quatro shopping centers, entre eles o Villa-Lobos, em São Paulo. Em sua mesa repousam projetos imobiliários de quase R$ 1 bilhão, em parceria com outros investidores. ?Continuo trabalhando, mas agora tenho sábados e domingos livres?, contou ele à DINHEIRO. Paes Mendonça refere-se a um dos principais traços de sua personalidade empresarial, batizada no livro de Hélio como ?disciplina férrea?. Todos os finais de semana, Paes Mendonça não ia ao escritório, mas enfurnava-se em suas lojas para ver ?como andavam as coisas com funcionários e clientes?. Certas vezes, substituía esses passeios por visitas aos concorrentes, onde fazia compras como qualquer consumidor. Era um aprendizado constante. ?Se os olhos estavam bem treinados para ver, detinha também a capacidade de ouvir como poucos. E fixar. E aprender. E repetir. E copiar. E melhorar?, escreveu Hélio a respeito de Paes Mendonça, numa espécie de receita para se forjar grandes empresários.