24/05/2000 - 7:00
A decisão ainda nem chegou ao papel e já está causando briga de foice na Secretaria dos Transportes do Estado de São Paulo. O problema chama-se BOT, a maneira equacionada pelo Estado para a construção da próxima linha de metrô na Capital. O modelo ?Built, Operate and Transfer?, ainda inédito em transportes públicos no País, vai ser usado na construção da linha 4, que liga o bairro da Luz à Vila Sônia, na divisa com o município de Taboão da Serra. A solução nada mais é que uma parceria entre Estado e iniciativa privada ? ou, como alegam os opositores, uma privatização do Metrô. O Estado entrará com 60% do investimento (financiado pelo Bird, Eximbank e BNDES) e ficará responsável por toda a obra civil. O restante, 40%, será pago pela iniciativa privada. Pronta a linha, os empreendedores ganharão 30 anos de concessão. O novo trecho, de 13,5 quilômetros, tem demanda prevista de 1 milhão de passageiros ao dia. Conversas com possíveis parceiros começam em agosto e o edital de licitação sairá em novembro. A obra está orçada em R$ 3,6 bilhões. Este modelo está todo desenhado e já foi discutido com os empresários. Agora, elabora-se em conjunto com as empresas os termos do edital de licitação.
?O governo teria como bancar tudo. Mas, com essa opção, sobra dinheiro para outras linhas?, garante o presidente da Companhia do Metropolitano de São Paulo, Caetano Jannini Netto. Para outros especialistas em transporte, mesmo perdendo dinheiro a concessão é vantajosa para o governo. ?Se o Metrô construir tudo e entregar de graça à iniciativa privada, ainda será bom para o Estado. O custo público de operação é muito alto?, lembra um alto executivo da Secretaria de Transportes. O divisor de opiniões é o valor da obra e o tempo da concessão. Sem contar com o fator ?imprevisto? ? que costuma implodir os orçamentos desde o tempo dos faraós ?, o quilômetro do novo metrô custará R$ 266 milhões. É pouco se comparado aos R$ 414 milhões da linha construída na gestão de Orestes Quércia na Avenida Paulista, tido como o mais caro metrô do mundo. ?O valor da linha 4 ainda parece bastante alto?, pondera Cláudio Barbieri da Cunha, professor de engenharia de transportes da USP. De acordo com ele, o custo internacional do quilômetro de metrô estaria entre R$ 90 milhões e R$ 180 milhões. Numa conta simples, calculando a demanda prevista da linha, o faturamento de bilheteria em 30 anos será de R$ 14 bilhões ? contra R$ 1,44 bilhão investidos pela iniciativa privada. Sem contar, é claro, os custos de operação da linha que ficam a cargo do concessionário. Mas esse total, a priori, não parece equilibrar a conta. O Metrô paulistano gasta R$ 600 milhões anuais para operar seus 49,3 quilômetros ? a nova linha, então, operaria com R$ 164 milhões.
Aparentemente, a parceria seria a solução para as duas pontas da equação. ?O governo tem obrigação de oferecer transporte público, mas está quebrado?, lembra Ailton Brasiliense, diretor da Associação Nacional dos Transportes Públicos. Para a iniciativa privada, que reclama da falta de trabalho, seria a única alternativa. Mas os empreendedores têm uma exigência: lucro. ?Antes, o risco estava na entrega do produto. Na concessão, ele se estende por 30 anos. Tenho que ter uma taxa de retorno maior?, afirma Christiane Aché, superintendente de projetos financeiros da francesa Alston, uma das empresas que já fornece equipamentos para o Metrô. Nenhum empresário do setor confessa, mas a taxa de retorno de um projeto deste porte pode chegar a 30% ? o que significa dizer que a iniciativa privada buscaria lucro líquido de R$ 432 milhões. Cogita-se até que as empresas possam exigir garantia de demanda fixa de usuários ? em que o Metrô pagaria a diferença entre o número de passageiros previsto e o real. ?Sem vários tipos de garantia, o projeto pode não sair?, diz a executiva da Alston.
Apesar de inovador no Brasil, o modelo da linha 4 copia exemplos internacionais. As primeiras obras em sistema BOT surgiram na Europa, mais precisamente no aeroporto de Atenas, na Grécia. Em transporte metroviário, Argentina, México, Inglaterra e Chile seguiram a mesma tendência. No Brasil, a única privatização de metrô, que nada tem a ver com o BOT, ocorreu no Rio de Janeiro na operação da linha 4. Um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro demonstrou, porém, que o preço mínimo estabelecido na concessão foi inferior ao adequado. ?Na América Latina, a privatização de metrôs teve passagens caóticas?, avalia Cláudio Alencar, professor da USP e especialista em BOT. Quando surgiram as crises econômicas as obras em Buenos Aires e Cidade do México deixaram de ser tocadas, e o sistema teve piora de qualidade. ?A ótica dos investidores sobrepôs-se aos benefícios para a sociedade?, diz ele. Outro problema é como será feita a fiscalização. ?Não existe uma agência reguladora que garanta a qualidade dos serviços?, lembra o deputado e líder da comissão de transportes da Assembléia Legislativa de São Paulo, Carlos Zarattini. Todas essas questões ficarão pendentes enquanto aguarda-se a publicação da licitação. Em novembro.