Novas sandálias da marca esportiva alemã se inspiram em modelo tradicional com raízes indígenas sem reconhecer autores originais, dizem autoridades mexicanas, que exigem suspensão da venda do produto.A marca de roupas esportivas Adidas foi acusada de apropriação cultural por autoridades do estado de Oaxaca, no México. De acordo com o governo local, um modelo de calçado lançado nesta semana é a cópia de um estilo tradicional de sandálias da região, conhecido como huarache.

O modelo Oaxaca Slip-On, cujo nome se refere ao mesmo estado, foi elaborado por Willy Chavarria, designer de moda americano de origem mexicana, em colaboração com a Adidas. Mas, segundo as autoridades locais, a empresa e o designer não procuraram obter autorização e tampouco reconheceram os autores originais.

“A empresa Adidas em conjunto com o designer Willy Chavarria se apropriaram de um desenho único das sandálias tradicionais da população de Villa Hidalgo Yalalag”, disse na quarta-feira (06/08) o deputado mexicano Isaías Carranza, se referindo a um vilarejo de Oaxaca marcado pela forte presença e cultura indígena.

Sites especializados no mercado de tênis e outros sapatos esportivos haviam reportado na véspera sobre o lançamento das sandálias num evento da Adidas em Porto Rico. O modelo foi descrito como inspirado nas sandálias huarache e um tributo às raízes mexicanas de Chavarria.

“O huarache sempre foi um símbolo de herança e identidade”, disse o designer, segundo o site Sneaker Freaker. “Eu queria honrar este legado e levá-lo para frente.”

“Suspensão imediata” do produto

Liderando a reação contra a Adidas, o governador de Oaxaca, Salomón Jara, apontou que o calçado é um “modelo de huarache reinterpretado” numa coletiva de imprensa, enquanto mostrava imagens das sandálias lançadas pela marca alemã.

Ele ameaçou também iniciar uma ação legal contra Chavarria, com participação de representantes de Yalalag.

“Isso não é apenas um design, é cultura, história e identidade de um povo originário e não vamos permitir que seja tratado como mercadoria”, disse o governador em um vídeo publicado na rede X.

Por sua vez, a Secretaria de Cultura e Artes de Oaxaca destacou em comunicado que a adoção sem consentimento de elementos culturais dos povos originários para fins comerciais constitui “violação de seus direitos coletivos”.

O órgão pediu ainda a “suspensão imediata da comercialização” do novo modelo, a abertura de um processo de diálogo e reparação de agravos da comunidade de Yalalag e o reconhecimento público da origem do design.

Uma das opções para o governo de Oaxaca seria apresentar uma queixa formal ao Instituto Mexicano da Propriedade Industrial (IMPI), a agência federal de proteção à propriedade intelectual do México.

A Adidas ainda não emitiu uma declaração pública sobre a controvérsia.

O tênis ainda não foi colocado à venda ao público e a Adidas também não anunciou uma data para o lançamento comercial.

Tema sensível no México

Nos últimos anos, o México denunciou a apropriação cultural e o uso não autorizado da arte de seus povos indígenas por grandes marcas e designers ao redor do mundo.

Em 2023, foi a vez da empresa chinesa Shein, acusada de apropriação cultural de elementos da cultura e da identidade do povo Nahua, do estado de Puebla. À época, o governo mexicano se queixou de danos econômicos e morais para este segmento da população.

“Trata-se de um princípio de consideração ética que, local e globalmente, nos obriga a chamar a atenção e colocar em discussão pública um tema que não pode ser adiado: proteger os direitos dos povos originários que historicamente foram invisibilizados”, afirmou a Secretaria de Cultura do Governo do México na ocasião.

Outros acusados de plágio e apropriação cultural de povos mexicanos nos últimos seis anos incluem a designer francesa Isabel Marant e as marcas de luxo Zimmermann e Carolina Herrera.

Discussão global

Acusações semelhantes também afetaram a imagem da Prada em julho. A grife italiana estreou na passarela da Semana de Moda Masculina de Milão rasteiras descritas como “sandálias de couro”.

Mas, para críticos de moda, artesãos e políticos indianos, tratava-se de uma cópia das tradicionais Kolhapuri – sandálias artesanais que levam o nome da cidade de Kolapur, em Maharashtra, no oeste da Índia, e remontam ao século 12.

Há mais de 25 anos, países em desenvolvimento e povos indígenas vêm pressionando por leis de propriedade intelectual que protejam melhor, da exploração por terceiros, a flora, a fauna, saberes tradicionais e herança cultural locais.

Mais recentemente, porém, tem crescido o clamor, inclusive no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), para que se responsabilizem as companhias que cometem esse tipo de abuso na indústria da moda.

ht (AFP, EFE, ots)