Falar de Miami uma década atrás era lembrar de outlets. Do auge nos anos 1960 até virar sinônimo de compras baratas nos anos 1990, o balneário viveu sua metamorfose decadente. Os clássicos hotéis Fontainebleau e Deauville foram, por anos seguidos, versões empalidecidas do que foram no passado, quando eram frequentados por estrelas do cinema e do jet set internacional. Mas a Miami de hoje é outra.Há uma profunda mudança em curso no perfil da cidade. Algo que a conecta às artes, à alta gastronomia e a um front de investimentos no mercado imobiliário, o que tem renovado o poder de sedução dessa cidade que os brasileiros tanto adoram.

 

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Em ebulição: frentes em expansão no skyline imobiliário de Miami (à esq) – as suítes residência em hotéis como o W South Beach

(no meio), a dos projetos assinados por “starchitects”, como One Thousand Millenium, da iraquiana Zaha Hadid (à dir.);

e os super-reformados, como a penthose de US$ 13 milhões

 

A origem está em 2002, quando Samuel Keller, o diretor da feira de arte Art Basel, na Suíça, lançou uma versão do evento em Miami. Foi um divisor de águas – e de investimentos – para a cidade. Com as esculturas e os quadros, um fluxo diferente de turistas passou a desembarcar todos os anos naquelas praias, o que fez os demais setores da economia local se desenvolverem. Não demorou para que um boom imobiliário acontecesse, atraindo compradores dos quatro cantos do mundo. Com eles e para eles, novos serviços e qualidade de vida em ascensão. 

 

“Há dez anos, havia um ou outro restaurante de qualidade gourmet, por exemplo. Agora, a variedade é enorme”, diz Matias Alem, 33 anos, dono da corretora de imóveis de luxo BRG International. Há 15 anos, ele trocou Ribeirão Preto (SP) pelo balneário americano. Em 2009, logo após a quebradeira em Wall Street, ele inaugurou sua empresa. No risco. “O preço dos imóveis tinha despencado e o povo daqui não comprava nada”, lembra ele, que buscou, então, conquistar os estrangeiros. Com um mercado em constante evolução, Alem precisou se adaptar rápido às tendências. 

 

Se há quatro anos o interesse dos seus clientes era por imóveis baratos, hoje são os produtos top que estão em alta. “Vendemos recentemente duas coberturas no mesmo prédio para um empresário paulistano que pediu para unir os dois imóveis”, relata o dono da BRG. A superpenthouse com vista para o mar ficou com 600 m², quatro suítes, adega e sala de jantar com mesa para 14 pessoas. Preço: US$ 13 milhões. “Imóveis de luxo, a partir de US$ 1 milhão, são os mais procurados”, atesta Alem. Como estratégia de diferenciação, as incorporadoras estão convidando os chamados “starchitects”, como dizem os americanos, para assinar projetos e atrair os novos milionários. 

 

A iraquiana Zaha Hadid é uma delas. Vencedora do Prêmio Pritzker de arquitetura, ela está por trás do One Thousand Museum, seu primeiro edifício no Ocidente, que será  erguido em Downtown a partir deste mês. O prédio de 83 apartamentos em 60 andares foi projetado com um exoesqueleto de concreto. O preço das unidades, dependendo do tamanho, varia de US$ 4,9 milhões a US$ 14,5 milhões. Segundo a Sothebys, que comercializa o empreendimento, 40% do prédio já foi vendido, em especial para brasileiros. 

 

Além de Hadid, o designer francês Phillippe Starck e os estúdios Pinifarina e Porsche Design também assinam projetos na cidade. A efervescência desse mercado também pode ser comprovada em números. No sul da Flórida, 72 novos empreendimentos estão em fase de construção, somando um total de 12.307 unidades. Entre 2011 e 2012, houve um aumento de 115% nas vendas de residências de luxo, que custam mais de US$ 10 milhões. Para comparação, os imóveis que custam menos de US$ 1 milhão tiveram aumento de 27%. 

 

HOTÉIS E USADOS Outros dois nichos têm se valorizado no setor: o dos hotéis-residência e o de imóveis usados. No fim da década passada, um apartamento no hotel W South Beach era vendido por US$  450 mil. Agora, custa o dobro. Com diárias a partir de US$ 429, o W passou por alterações pontuais desde a sua inauguração, em 2009. Ganhou 26 novas suítes VIP, décor mais atual e um novo chef, Andrew Carmellini, para o restaurante The Dutch. Entre os serviços, foi criado o W Insider, um concierge dedicado ao hóspede por toda a estadia. Ele garante entradas nas boates, aluga barcos, faz reservas em restaurantes e auxilia na hora das compras.

 

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Arte e compras: em sentido horário, a Art Basel Miami; uma das salas de exposição do evento;

a entrada de Wynwood Walls; as lojas em Bal Harbour Shops e a fachada grafitada

da Louis Vuitton, no Design District

 

Já a aquisição de imóveis usados reformados também vem crescendo. Para entender, na ressaca da crise americana de 2008, muitos investidores compraram apartamentos médios na cidade. Cinco anos depois, com mais fôlego na economia dos países emergentes, esses imóveis perderam o propósito para seus compradores e passaram a ser renegociados em troca de apartamentos maiores, mais luxuosos e de frente para o mar. “A valorização desses usados pode chegar a 100% do que foi pago”, afirma Alem. Arquiteto de formação, ele também é dono da BRG Homes, que reforma os imóveis antes da revenda. Plantas são remodeladas e a decoração final recebe requintes como móveis e mármore italianos. “Temos US$ 40 milhões na carteira em unidades deste tipo”, afirma o brasileiro.

 

ARTE E DESIGN Se o skyline da cidade tem mudado com tantos novos prédios, o astral de Miami também mudou. Tanto que o balneário é, atualmente, o sexto pedaço de terra mais cobiçado pelos ricos globais, segundo lista da revista americana Forbes. Muito disso tem a ver com os investimentos públicos feitos pela prefeitura da cidade. Só no porto de Miami, de onde partem cruzeiros durante o ano inteiro, foi investido US$ 1,5 bilhão. Os negócios portuários geram, anualmente, US$ 18 bilhões para os cofres públicos. A política fiscal da Flórida, com juros e taxas menores do que a maioria dos Estados americanos, também tem levado inúmeras empresas e bancos a deslocarem suas sedes para lá. 

 

Em números de hoje, são mais de 500 empresas multinacionais que servem a América Latina e 40 bancos internacionais gerando receita ao governo local. A cultura também entrou na pauta dos gastos públicos. Duas áreas no centro foram disponibilizadas para a criação de novos polos de arte. O Museum Park, com mais de 1,2 milhão de metros quadrados, abrigará dois museus: o de Ciência e o PAMM (Perez Art Museum Miami). Este segundo, recém-inaugurado e com ênfase na cultura do Atlântico (Américas, Europa e África), tem tamanho semelhante ao do MoMA-NY e foi construído pelo escritório suíço Herzog & de Meuron, o mesmo responsável pelo Tate Modern, de Londres. 

 

Custo da obra: US$ 220 milhões. Antes desses parques, o Wynwood Walls e o Design District já faziam sucesso. Wynwood Walls é uma galeria a céu aberto em um bairro que passou de degradado a badalado, com 50 galerias, museus e restaurantes. Já o Design District, entre as ruas 38 e 42, passa por uma reurbanização verde, para tornar o passeio mais agradável, sobretudo no verão. Esse é o endereço número 1 dos brasileiros interessados em arte e design. Por ali acontece a Art Basel, sempre em dezembro, e outras mostras, como a recente Orchestra Brasil, evento que integra a Miami Art Week e que contou com trabalhos de 18 estúdios de design do País.

 

A reboque da arte, as lojas de grife internacionais passaram a ver o bairro como ótimo ponto de concentração de renda. Ali abriram suas portas cerca de 70 lojas de luxo, a maioria com layout diferente. A fachada da Louis Vuitton, por exemplo, foi toda grafitada. As compras de luxo, aliás, continuam em alta na cidade. E nesse segmento, o Bal Harbour Shops permanece como o destino preferido des cartões de crédito poderosos, o que se traduz em uma das maiores médias de vendas por metro quadrado: US$ 30 mil. E os brasileiros são responsáveis por 40% desse faturamento. 

 

“O último mês de julho foi o melhor de todos os anos, em 50 anos do Bal Harbour Shops”, declarou Matthew Whitman Lazenby, presidente e proprietário do Shops. Sensível a essa questão das artes, os hotéis do condado de Bal Harbour, a 15 minutos ao norte de South Beach, também oferecem aos seus hóspedes entrada livre nos museus da cidade. Nas praças da região é possível ainda conferir mostras de arte pública com artistas nativos que contam o “way of life” americano do pós-guerra aos dias atuais. Quando o dia cai e o expediente se encerra, entende-se o que o brasileiro Matias Alem destacou no começo desta reportagem: as opções de diversão e boa mesa se multiplicaram na última década. 

 

Filiais dos principais restaurantes do mundo servem seus pratos por ali. Os orientais Zuma, Makoto e Mr. Chow – este, dentro do hotel W –, o grego Milos, de Costa Spiliadis, o J&G Grill, no hotel St. Regis, além dos já conhecidos Carpaccio e La Goulue, garantem a qualidade dos menus na cidade. Depois de saciar o apetite, há de se experimentar os clubs. Boates como a Wall, no hotel W, e o Baôli, mix de bar e pista de dança, cuja matriz fica em Cannes, na Riviera Francesa, são paradas obrigatórias na noite dessa cidade. Fundada em 1825, Miami não perde sua jovialidade e sua energia para surpreender. Alguém duvida?

 

 

Bom, bonito e… muito caro!

 

Empreendimentos de alto luxo e com preços acima dos US$ 10 milhões estão em alta no mercado imobiliário de Miami. Confira três deles.

 

Cada vez mais valorizados, os apartamentos de frente para o mar estão no topo da lista, como o Jade Signature (à esq.), com apartamentos entre US$ 2 milhões e US$ 18 milhões. Propostas tecnológicas também atraem, como a do Porsche Design Tower (no meio), com imóveis de até US$ 15 milhões. Por fim, o Grove at Grand Bay (à dir.), em Coconut Grove, um bairro repleto de infraestrutura e serviços. Por isso, seu preço chega a US$ 5 milhões por residência. 

 

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Diretamente de Miami (EUA)