12/12/2007 - 8:00
No momento em que esta revista está sendo impressa na sexta-feira 7, a Casas Bahia, maior rede de comércio de móveis e eletrodomésticos do País, possui 555 lojas, emprega 55 mil funcionários e comemora 55 anos de existência, desde que um mascate chamado Samuel Klein inaugurou seu primeiro ponto-de-venda em São Caetano do Sul, no ABC paulista. A constância do número cinco pode soar cabalística, mas, bobagem, nenhum número sobrevive muito tempo quando o assunto é Casas Bahia. Já na segunda-feira 10, a rede somará 564 endereços ? nesse dia, o clã estará no Espírito Santo para participar, junto com clientes e autoridades dos mais diversos níveis, dos eventos de abertura de nove lojas. Inaugurações fazem parte da rotina da Casas Bahia. Em 2007, serão no total 55 novos pontos-de-venda. No ano passado, foram outros 50. A novidade deste ano é a consolidação de um processo iniciado em 2003, quando, numa das mais profundas transformações de sua história, a Casas Bahia partiu para a conquista de um público totalmente estranho à paisagem de suas lojas até aquele momento. Com cautela mas de forma determinada, consumidores da classe A e B começaram a ser atraídos, sem, contudo, assustar o seu tradicional e fiel cliente de menor poder aquisitivo. Hoje, os ?endinheirados? respondem por 20% dos negócios da empresa. Com essa estratégia, Klein agregou R$ 1 bilhão às receitas do grupo somente neste ano, elevando-as a R$ 12,5 bilhões. A rentabilidade não sofreu por conta da mudança. Em 2007, a estimativa de lucro bateu em R$ 250 milhões, contra R$ 200 milhões do ano anterior. Por isso, Michael Klein foi escolhido como o Empreendedor do Ano no Varejo. ?Jamais abandonaremos nossa origem, mas também não desperdiçamos as oportunidades quando surgem?, afirma ele.
As ?oportunidades? surgiram quando os consumidores de maior poder aquisitivo passaram a ficar ?órfãos?, como diz o próprio Klein. Algumas das marcas do varejo que atendiam a esse público fecharam suas portas ? caso da Best Mix e Panashop, recentemente, e Arapuã, Mesbla e Mappin em tempos mais remotos. ?A entrada da Casas Bahia nesse segmento foi uma forma de aproveitar um espaço vago no mercado?, afirma Eugênio Foganholo, sócio da Mixer, consultoria especializada em varejo. ?A avenida já estava pavimentada. Eles só decidiram transitar por ela.? Mas assim que percebeu que esses consumidores andavam circulando por suas lojas, a empresa tratou de fazer uma lição de casa. Contratou consultores, aplicou pesquisas, conversou com especialistas para entender ?aquele bicho estranho? que começou a freqüentar seus domínios. O mix de produtos foi reformulado: refrigeradores mais sofisticados, como os chamados side-by-side, ganharam lugar de destaque. Televisores de plasma e LCD inundaram as lojas. Os móveis ganharam design mais arrojado, acabamento mais esmerado e revestimentos mais nobres, como o couro. Para isso, foi necessário identificar novos fornecedores. Os vendedores das lojas voltadas para esse público receberam treinamento especial. ?Consumidores de renda mais alta questionam muitos aspectos técnicos dos produtos?, afirma Klein. ?E nossos funcionários precisam estar preparados para responder.?
EM APENAS DOIS ANOS DE EXISTÊNCIA, O CARTÃO DE CRÉDITO DA CASAS BAHIA CONQUISTOU QUATRO MILHÕES DE USUÁRIOS
Houve, pelo menos, dois marcos nessa migração da Casas Bahia. O primeiro deles foi a compra de uma rede de varejo que possuía lojas em shopping centers, justamente o local que mais atrai os consumidores das classes A e B. Atualmente, a bandeira da Casas Bahia está fincada em 83 centros de compra pelo País. Somente em 2007, quatro lojas foram abertas nesses locais. O segundo momento ocorreu no final de 2002. Na ocasião, a empresa rompeu um dogma e passou a aceitar cartões de crédito, outro ícone para o pessoal de mais dinheiro. A partir desse momento, um fenômeno típico da Casas Bahia ocorreu. A rede é a maior vendedora de celulares do País. Também é a maior vendedora de linha branca (fala-se em um terço da produção nacional). E assim é com TVs de tela fina, móveis, entre outros itens. Pois com apenas dois anos de existência, o cartão Casas Bahia/Bradesco, com bandeira Visa, já arregimentou quatro milhões de titulares ? isso sem contar os cartões adicionais. ?Fomos os maiores emissores de cartões de crédito deste ano no Brasil?, diz Klein. O dinheiro de plástico passou a ser mais uma engrenagem na incrível máquina de crediário da Casas Bahia. Michael Klein a descreve de um só fôlego, sem tropeço ou deslize. A cada mês, 12 milhões de carnês são pagos nas lojas da rede. O tíquete médio é de R$ 400 e a prestação, de R$ 60. Toda vez que um consumidor quita o equivalente a 70% de sua dívida, a ?mocinha? do guichê o apresenta pelo nome a um vendedor da loja, que recebe também o carnê. É o momento de vender mais algum item para aquele cliente. A cada mês é gerado um milhão de novos carnês, sendo que 80% de seus titulares já fizeram compras anteriores na Casas Bahia. ?Não sei qual o índice de eficiência desse sistema?, admite Klein, para completar com bom humor: ?Eu só sei que funciona.? A ?máquina de financiamento? é herança direta de Samuel Klein, pai de Michael e fundador da rede. Seu foco foi desde o início os pobres, aqueles trabalhadores sem histórico de crediário, sem emprego formal, com dificuldades de comprovar a própria renda mensal.
CRESCIMENTO SEM PARAR: EM 2006, FORAM 50 LOJAS INAUGURADAS. ESTE ANO, SERÃO MAIS 55 ENDEREÇOS. O NÚMERO TOTAL PASSA DE 560
A filosofia de trabalho de Samuel é exposta em frases primorosas, seja pela simplicidade, seja pela profundidade dos conceitos que guarda. Uma delas: ?E a dona Maria lá sabe o que é taxa de juros??, revelando que seu cliente compra pelo tamanho da prestação e não pelo preço final do produto. Outra: ?O pobre só tem um patrimônio. É o próprio nome. Por isso, ele paga todas as suas contas em dia?, explicando por que abre mão de maiores garantias nos crediários. Mais uma, esta dirigida aos fornecedores: ?O preço de seu produto em minha loja já está definido e minha margem é de 30%. Por quanto você vai me vender seu produto?? Esse modelo de gestão poderia levar a níveis de inadimplência insuportáveis. Na Casas Bahia, eles giram há anos na faixa entre 8% e 10%. Um estudo realizado anos atrás pela Fundação Getúlio Vargas revela que nos primeiros tempos de uma loja essa taxa bate em 16%, o dobro da média da empresa. ?São necessários alguns anos para que estes 16% cheguem à média de 8,5%. O custo de aquisição de um cliente é considerado um custo de negócio na Casas Bahia?, afirma o estudo da FGV. Trata-se de uma empresa que não teme o risco. Um dos casos mais recentes é o da Super Casas Bahia: em dezembro de cada ano, a empresa toma posse do pavilhão de eventos do Anhembi e monta uma gigantesca loja, invadida por mais de um milhão de pessoas. Ali elas deixam quase R$ 100 milhões. Trata-se ainda de um laboratório de práticas gerenciais. Este ano, a empresa testa um sistema de coleta de material reciclável, um projeto piloto que em breve se estenderá por toda a empresa. É a fantástica máquina de comércio funcionando a pleno vapor.