O som forte do giro das hélices de um helicóptero anuncia que o empresário Michael Klein, 63 anos, chegou à sede da Via Varejo, em São Caetano do Sul, na região do ABC paulista. Ele está 40 minutos atrasado para a entrevista. Logo depois, Klein entra apressado na sala de reunião do quinto andar, decorada com miniaturas de aviões e de helicópteros, além de fotos familiares. As estantes contam com vários livros, a exemplo de Como os gigantes caem, do guru de administração americano Jim Collins, e da biografia do beatle Paul McCartney, escrita por Peter Ames Carlin. “Houve uma pane no helicóptero”, justifica-se, pedindo desculpas pela demora. 

 

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Michael Klein, presidente da CB Capital Brasileiro e acionista da Via Varejo: ”Tenho muita

motivação para procurar coisas novas”

 

Senta-se rapidamente na cabeceira da ampla mesa de reuniões e pede um café, um dos muitos que tomará ao longo das próximas horas (Dona Lurdinha, a copeira que o serve, diz que Klein bebe ao menos dez xícaras por dia). Na quinta-feira 13, Klein, um tipo de pessoa normalmente extrovertida, tinha bons motivos para estar mais reservado, desanimado até. Afinal, no dia anterior, ele deixara a presidência do conselho de administração da Via Varejo, holding de eletroeletrônicos do grupo Pão de Açúcar, dona das bandeiras Casas Bahia e Ponto Frio, conforme publicou com exclusividade o site da DINHEIRO. 

 

O executivo Ronaldo Iabrudi, que assumiu o comando do Pão de Açúcar, controlado pelo francês Casino, o sucedeu no posto. Mas seu sorriso amplo e os seus gestos expansivos indicavam que não havia o menor sinal de melancolia em Klein por não ocupar a cadeira mais importante da empresa fundada por seu pai, o imigrante polonês Samuel Klein, 90 anos, a partir de uma lojinha ali mesmo em São Caetano, em 1957. “A melhor maneira de sair é quando você está em alta”, afirmou Klein à DINHEIRO (leia entrevista ao final da reportagem). Naquela mesma manhã, a Via Varejo anunciava um lucro de R$ 1,2 bilhão obtido em 2013, uma alta de 268% em relação ao mesmo período do ano anterior.

 

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Klein, na verdade, conta com muitos outros motivos para comemorar. Na vida pessoal, ele acaba de ser pai dos gêmeos Joseph e Benjamin. Os meninos, que estão com 4 meses de idade, são fruto de seu relacionamento com Maria Alice, com quem está casado há sete anos. O empresário já era pai de três filhos – Leandro, o mais velho, que morreu aos 27 anos de câncer, Natalie, dona da butique de luxo NK Store, e Raphael, o caçula, que foi presidente da Via Varejo e hoje investe na ROIx, uma empresa de mídia digital. Na esfera empresarial, há outros tantos motivos para celebrar. Klein está com um cheque de R$ 1 bilhão em sua conta bancária. 

 

Esse é o valor que ele recebeu em razão da emissão secundária de ações da Via Varejo, em dezembro do ano passado. Essa dinheirama será usada na compra de imóveis e em participações em companhias de diversos ramos. “Tenho muita motivação para procurar coisas novas”, afirma Klein. Outro R$ 1 bilhão do IPO foi parar nas mãos de Raphael e Natalie, e de sua irmã Eva, que decidirão o que fazer com ele. “Se pedirem minha opinião, darei”, diz Klein. Os planos para aplicar essa cifra bilionária são simples, como tudo que os Klein fazem desde que o patriarca estava na ativa. 

 

Ele contratou Luiz Carlos Nannini, ex-sócio da consultoria Ernst & Young, como seu diretor de novos negócios. A função de Nannini é farejar bons investimentos, da área imobiliária a novos setores nos quais o clã não tem tradição de aplicar recursos. “Existe muito empreendedor que precisa de um empurrão para criar o novo Facebook”, afirma Nannini. Mas ele avisa: “Tenho R$ 1 bilhão para investir, não para torrar”. O novo executivo fará parte da CB Capital Brasileiro, holding criada por Klein para tocar seus novos negócios (confira gráfico “Todos os negócios de Klein”). 

 

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Além disso, Klein também está esperando autorização da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para colocar no ar, literalmente, a CB Air, sua empresa de táxi aéreo. Ele é proprietário de dois hangares, um no Campo de Marte, em São Paulo, e outro em Sorocaba, no interior do Estado. Sua frota é composta de quatro helicópteros e três jatos executivos – o mais recente deles é um Legacy 600, que pertenceu ao empresário Eike Batista. Essa empresa, que já aluga espaço para aviões de terceiros, será comandada pelo piloto Paulo Correa.

 

COLEÇÃO DE FIGURINHAS O pai de Klein, seu Samuel, como é conhecido, ostenta há décadas o título de rei do varejo brasileiro. A homenagem é mais do que justa, pois foi ele quem descobriu, meio século antes que o tema virasse moda, o potencial da baixa renda. Pioneiro, trouxe a periferia para o mercado de consumo, oferecendo crediário para os consumidores de menor poder aquisitivo, que hoje constituem a chamada classe média emergente, em lojas despojadas de luxo e de produtos sofisticados. Tanto que o celular só foi parar nas gôndolas da Casas Bahia em 1999, quando passaram a ser acessíveis ao bolso do povão. 

 

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Klein, o primogênito de Samuel, no entanto, tem grandes chances de ser chamado de o imperador dos imóveis. “Gosto de brincar de banco imobiliário na vida real”, diz Klein, em meio a uma sonora gargalhada. “Em vez da cartolina, prefiro receber a escritura da propriedade.” Não se trata apenas de uma tirada espirituosa ou jogo de cena de Klein. Ele é atualmente um dos maiores investidores imobiliários do País,dono de um portfólio de 384 propriedades, incluindo prédios, escritórios, lojas, galpões comerciais e centros de distribuição. Esse patrimônio está avaliado em R$ 4 bilhões e gera uma receita anual estimada em R$ 246 milhões. 

 

Quase três quartos desses ativos estão alugados para a Via Varejo, em um contrato que vai até 2030. Os outros inquilinos são grandes empresas, como os bancos Bradesco e Santander e as varejistas Marisa e O Boticário. A siderúrgica Gerdau, por exemplo, aluga dois galpões industriais. A Petrobras ocupa um prédio de 13 andares em Salvador. Todo o dinheiro ganho com esses aluguéis é reinvestido em novos prédios, escritórios, lojas,etc. Essa é uma lição que Klein aprendeu com seu pai. Na década de 1950, seu Samuel precisou de dinheiro e foi pedir empréstimo ao banco. O gerente perguntou: “Qual imóvel o senhor dará como garantia?”. 

 

Na época, ele tinha apenas uma casa em São Caetano do Sul. Foi então que decidiu que reinvestiria o lucro da lojinha em propriedades. Como não conseguia pronunciar a palavra escritura, pois tinha dificuldade para se comunicar em português, começou a usar o termo figurinha para se referir aos imóveis que ia adquirindo. Klein foi fundamental para aumentar a “coleção de figurinhas” de seu Samuel. Ele e o irmão Saul trabalharam durante décadas ao lado do patriarca na construção da Casas Bahia. Saul, que vendeu sua parte na companhia em 2009, cuidava da área comercial. Klein, por sua vez, era responsável pela parte financeira. 

 

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Relação formal: Valim, presidente da Via Varejo, vê os Klein apenas no conselho

e comitês da companhia. “Nunca os encontrei no elevador”

 

Mas um de seus grandes interesses, mais do que o varejo, era avaliar pontos comerciais e comprar os imóveis para a instalação das novas lojas da rede. “Ele é do ramo”, diz Fábio Nogueira, um dos maiores especialistas do mercado imobiliário do Brasil. Outra fonte reforça o argumento: “Na parte imobiliária, ele sabe como poucos identificar um bom ponto de venda”. O modelo de Klein, nessa área, é tão básico quanto preparar uma macarronada. Mas tem dado certo até agora. Primeiro, o empresário encontra um bom terreno para fazer a incorporação. Depois, contrata uma construtora para tocar as obras. A procura de inquilinos fica a cargo da equipe de Klein. “Trata-se de uma estratégia inteligente, pois garante margens maiores”, diz Nogueira. 

 

MINORITÁRIO RELEVANTE Em sua nova fase, Klein diz que pretende manter a rotina de ir diariamente a São Caetano do Sul. Ele sempre chega de helicóptero, em um trajeto que dura apenas seis minutos entre sua casa, em São Paulo, e o heliponto na sede da Via Varejo. O mesmo edifício abriga a CB Capital Brasileiro, que ocupa o quinto e parte do sexto andar do prédio. A diretoria da Via Varejo, hoje presidida pelo executivo Francisco Valim, fica dois andares abaixo. “Nunca encontrei os Klein no elevador”, afirma Valim. 

 

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De acordo com ele, sua relação com a família é de acionistas, através dos principais órgãos de governança, como o conselho fiscal, o de administração e os respectivos comitês. “Esse é o modelo que está implementado aqui, típico de companhias de capital aberto.” É seguindo estritamente esse script que Klein pretende atuar na Via Varejo. “Terei acesso aos relatórios, participarei do conselho e poderei decidir sobre onde abrir novas lojas e onde investir”, afirma. “Ser presidente do conselho, como minoritário, e membro do conselho, como minoritário, é a mesma coisa.” 

 

Klein, no entanto, perdeu alguns privilégios. Antes ele tinha poder de vetos em alguns assuntos, mesmo não tendo a maioria das ações da empresa. O que não muda é sua disposição, pois pretende continuar a participar de inaugurações de novas lojas. Afinal, ele é o principal interessado em que a companhia continue crescendo e gerando lucros. Além de deter uma fatia de 27,3%, avaliada em R$ 2,5 bilhões, os aluguéis de seus pontos de venda passaram a ser remunerados com base no faturamento bruto da empresa. “Quero mais que eles explodam de vender”, afirma Klein.

 

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“Gosto de brincar de banco imobiliário na vida real”

 

O empresário Michael Klein fala de seus novos negócios e de sua saída da presidência do conselho de administração da Via Varejo:

 

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Como o sr. pretende gastar o dinheiro que ganhou com a emissão das ações da Via Varejo?

Tenho aproximadamente R$ 1 bilhão para investir. Estou deixando o dinheiro aplicado para analisar as melhores alternativas de novos negócios. Tenho uma cláusula de não competição com a empresa e não posso atuar no varejo. Mas vou procurar novos negócios que não infrinjam o contrato. Tenho 384 imóveis, desde galpões, prédios administrativos, áreas para lojas até hangares, avaliados em R$ 4 bilhões.

 

O plano é investir esse dinheiro na área de imóveis?

Não apenas. É claro que vamos investir nessa área. Mas acabo de contratar um diretor de novos negócios (Luiz Carlos Nannini, ex-sócio da Ernst & Young), que vai avaliar propostas de associações majoritárias e minoritárias em empresas de diversos ramos.

 

O sr. recebe muitas propostas?

Sim, de cinco a dez por dia. São propostas para comprar terrenos, prédios e empresas.

 

Com tantos imóveis assim, o sr. deve gostar de jogar banco imobiliário.

(Risos) Só na vida real. Em vez da cartolina, prefiro receber a escritura da propriedade.

 

Qual será o seu envolvimento com a Via Varejo?

Fui presidente do conselho até ontem (quarta-feira 12). Tinha um ciclo previsto em contrato. Permaneço como membro do conselho e tenho direito a mais uma cadeira (no total, nove pessoas participam do colegiado).

 

Por que o sr. resolveu reduzir sua participação na Via Varejo?

Para nós, era melhor ter mais liquidez no mercado. Não adianta ser dono de uma ação que, quando eu quiser fazer dinheiro, não me dará liquidez. No contrato assinado com o Pão de Açúcar havia várias opções de saída. Uma delas era vender as ações. Só temos de comemorar, pois as ações estão subindo desde o IPO.

 

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O que foi surpreendente é que o sr. dizia que queria comprar a Via Varejo e não vendê-la.

O contrato que assinamos tinha várias cláusulas sobre esse assunto. A primeira dizia que se a família Klein quisesse vender as ações, teria de dar preferência para os acionistas majoritários. No caso, o Casino. Eles já tinham o controle e não queriam o restante. A cláusula dois afirmava que poderíamos comprar a fatia deles. Tentamos negociar e não chegamos a um acordo. A terceira era o IPO. A quarta era trocar as nossas ações por papéis do Pão de Açúcar. Optamos pela terceira. Tenho 27,3% da Via Varejo e, por enquanto, não espero vender minha parte.

 

Como se sente ao deixar a presidência do conselho?

Não muda nada. Vou continuar recebendo relatórios, participando do conselho, decidindo sobre onde abrir novas lojas e onde investir. Ser presidente do conselho, sendo minoritário, e ser membro do conselho, como minoritário, é a mesma coisa.

 

Mas o sr. tinha direito de vetar uma série de assuntos relevantes.

Nunca vetamos nada importante para a empresa. A nossa relação com os acionistas sempre foi amistosa. Permanecemos como minoritários relevantes. Vou continuar vindo diariamente à Via Varejo.

 

O sr. se arrependeu de vender a Casas Bahia para o Pão de Açúcar?

Não houve arrependimento. Para nós, a empresa começou a ficar muito grande, com 55 mil funcionários em 12 Estados. A alternativa foi nos associarmos a outro grupo grande para perpetuar o negócio. O tempo está mostrando que fizemos a coisa certa. Participo do negócio e ainda recebo um percentual pelas vendas. Quero mais que eles explodam de vender. Eu ainda vou à inauguração de lojas para motivar a equipe.

 

Do ponto de vista financeiro, parece lógico. E o lado emocional? Afinal, a empresa foi fundada por seu pai, Samuel Klein.

Onde está o sucesso das pessoas? É ter um equilíbrio entre emoção e razão. Chegamos a um ponto em que eu ia ficar preso e sem ter liquidez. O tempo mostra que foi uma decisão correta. Como o Pelé disse: “A melhor maneira de sair é quando você está em alta”. Pelé parou e ainda é o rei do futebol. Assim como ninguém vai tirar o mérito do meu pai de ser o rei do varejo. Podem aparecer novos reis do varejo. Mais quem apostou no varejo brasileiro lá atrás e deu crediário para os pobres? Foi ele. 

 


Colaborou: Rodrigo Caetano