RESUMO

• Programa Acredita tem potencial de destravar até R$ 30 bilhões em recursos para a base da pirâmide
• Ministro do Desenvolvimento diz que plano não se assemelha a outras iniciativas de governos petistas
• Segundo ele, além de suporte do governo, o segmento de baixa renda receberá oportunidades
• MP, que tem seis meses para ser aprovada, carrega mecanismos e ferramentas que atendem a demanda de bancos
• Especialistas alertam que estímulo à demanda pode trazer inflação e inadimplência

Se durante os governos Lula I e II a ascensão da classe média brasileira foi uma das principais marcas da gestão, o terceiro ato do presidente Lula parece ter mudado o foco. Ao invés de fortalecer o meio da pirâmide e estimular a economia pelo consumo interno, a estratégia adotada foi oferecer poder de compra à base da estrutura social brasileira: famílias com renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa.

Para isso, o primeiro passo foi dado pelo programa Desenrola, que renegociou dívidas de pessoas físicas e abriu espaço para o consumo. Agora, por meio da iniciativa Acredita, o governo investe na oferta de microcrédito, com taxas reduzidas de juros, para aquecer a economia.

Com potencial de destravar até R$ 30 bilhões em recursos a serem escoados para a base da pirâmide, o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, afirmou à DINHEIRO que o objetivo é dar o impulso para o pequeno empreendedor, e de quebra estimular toda a economia. “Estimo mais de 1,5 milhão de transações pelo Acredita. É um programa único e com capacidade ímpar de formalizar, capacitar e estimular os negócios no Brasil”, disse.

Nas primeiras gestões de Lula, e em boa parte dos mandatos de Dilma Rousseff, a estratégia do PT para elevar o consumo interno se deu em duas frentes: estímulos à indústria, por meio da redução do IPI, e abertura do mercado de crédito.

Quando tais elementos se uniram à renda familiar crescendo mais de 6% ao ano, o resultado foi 41 milhões de pessoas emergindo para essa “nova classe média”, segundo dados do Ipea. Apesar de relevante para o momento, a ascensão da classe média tinha prazo de validade.

O boom do consumo de eletrodomésticos, por exemplo, chegou ao platô quando o mercado imobiliário desaqueceu. O consumo das famílias encolheu conforme a inflação aumentou e os efeitos da crise de 2008 refletiram no Brasil.

E se outrora a confluência de fatores favoreceu a ampliação do consumo, a convergência dos fatos negativos resultaram na crise iniciada em 2014 e que ainda deixa suas marcas na economia brasileira.

Para evitar os mesmos erros, Dias afirmou que o novo programa não se assemelha aos anteriores. “Temos dois objetivos claros: tirar as pessoas da pobreza e oferecer a condição de começar o próprio negócio e estruturar sua vida financeira no longo prazo”, disse.

No lançamento do programa, Lula afirmou que o projeto é o primeiro passo para uma vida mais digna da população mais carente (Crédito:Ricardo Stuckert / PR)

O projeto, que segundo o ministro, atende a demanda do presidente Lula de dar um passo além do assistencialismo. “São 25 milhões de famílias com renda per capita de menos de meio salário mínimo. São pessoas que, sim, precisam e recebem suporte do governo, mas que agora receberão oportunidades.” A maior parte dos recursos, que pode destravar R$ 30 bilhões, virá do Fundo Garantidor de Operações (FGO).

EFEITO ECONÔMICO

Apesar do apelo para a política social do governo Lula, o programa Acredita carrega mecanismos e ferramentas que atendem a demanda de bancos.

o primeiro oferece crédito para o Cadúnico;
o segundo para MEIs, que será acompanhado de uma nova versão do Desenrola, para renegociação das dívidas abertas;
o terceiro cria um mercado secundário (de troca de ativos) para o crédito imobiliário,
por fim, o Eco Invest Brasil, um programa de proteção cambial para investimentos verdes para atrair aportes internacionais em projetos sustentáveis no Brasil.

O texto também agradou o setor varejista, que quer aproveitar o bom primeiro bimestre para vendas e sustentar a estimativa de melhor ano desde 2020. Para Alberto Serrentino, economista e especialista em varejo, uma confluência de fatores, que envolvem melhora do mercado de trabalho, redução dos juros e aumento da renda, sustentaram a alta de 2,8% e 1% das vendas no varejo em janeiro e fevereiro, sobre um ano antes, reportadas pelo IBGE.

“Minha perspectiva é que no segundo semestre haverá alta ainda maior, se mantidas as condições que temos hoje”.

De acordo com ele, a desalavancagem do consumidor, seja ele pessoa física ou pessoas jurídicas de pequeno porte, funcionará como turbina para o aumento das vendas no segundo semestre, superando até as adversidades vindas do mercado externo, como inflação e juros mundo afora.

Jorge Santana, economista e pesquisador convidado do Ipea, afirma que a oferta de microcrédito para empresários individuais ou microempresários é fundamental para ativar o comércio. “Assim como qualquer programa social, como o Bolsa Família, todo o dinheiro repassado é integralmente colocado em circulação, fazendo girar a economia”, disse.

PONTO DE ATENÇÃO

Ainda que o programa tenha sido bem recebido pelo empresariado, e atenda uma demanda reprimida de consumidores, é preciso ficar atento ao timing. No entendimento de Marcus Vinicius Villela, economista e professor de finanças aplicada da UnB, o estímulo à demanda, nesse momento, pode pressionar a inflação, dificultando a queda nos juros.

“Talvez esperar até o fim do ciclo de cortes da Selic seria o ideal”, disse ele. De acordo com o acadêmico, há atualmente dois pontos de atenção inflacionária: o setor de alimentos e de serviços. “Essa pressão, diferentemente das que possuem componente externo, como energia e transportes, vem justamente das classes mais baixas, por conta do aumento da renda recente”, disse ele.

Outro alerta é que a iniciativa do governo promova um efeito cascata no sistema bancário.

“Um dos problemas em 2014 é que houve uma distribuição irracional de crédito. Com juros baixos e que resultaram no recorde de inadimplência da década”, disse o professor. Há 10 anos, 57 milhões de brasileiros estavam inadimplentes. “Parte dessas dívidas se arrastaram, cresceram e só foram resolvidas no Desenrola”.

Para defender o programa, Wellington Dias, ministro do Desenvolvimento, afirma que outras medidas para coibir a inadimplência, como o programa de educação financeira, do Desenrola, e as ações recentes do governo para diminuir a cobrança abusiva em taxas de cheque especial e cartões dão mais segurança para a obtenção do crédito. O resultado, efetivamente, talvez só seja mensurado em 10 anos.

*Colaborou Jaqueline Mendes