04/07/2012 - 21:00
O estadista americano Benjamin Franklin popularizou o provérbio de que um centavo poupado é um centavo ganho. Mais de dois séculos depois, um crescente grupo de investidores brasileiros atualizou esse ditado, e trocou “poupado” por “negociado”. São os especuladores que compram e vendem ações baratas em um ritmo frenético na expectativa de construir, moedinha a moedinha, o primeiro de vários milhões. Hoje existem 34 papéis que custam menos de um real, conhecidos pelo jargão inglês “penny stocks”, negociados na bolsa. Seja por estarem muito desvalorizadas, seja por terem sido emitidas em grande quantidade e nunca terem sido agrupadas, essas ações são cotadas por preços unitários muito reduzidos, o que facilita a especulação.
O princípio é simples. Com R$ 100 mil é possível comprar cerca de 2,5 mil ações preferenciais da Vale, o papel mais negociado no pregão. Na quarta-feira 27, essa ação começou o dia a R$ 39,15 e fechou com uma queda de 31 centavos, a R$ 38,84. Um investidor que tivesse antecipado esse movimento poderia vender as 2,5 mil ações na abertura e recomprá-las mais barato. Supondo-se que não houvesse gastos de corretagem nem imposto, o ganho seria de R$ 775. No entanto, o advogado Danton Brito, morador no Tocantins e aficionado pelas ações de centavos, teria adotado uma estratégia diferente. Com os mesmos R$ 100 mil, ele compraria dois milhões de papéis ordinários da metalúrgica concordatária Cobrasma, que já interrompeu suas atividades e faz dinheiro alugando máquinas.
As ações abriram a R$ 0,05 e à tarde subiram dois centavos para fechar a R$ 0,07. Parece um ganho ínfimo, mas representa uma valorização de 40% em poucas horas. Nesse caso, o lucro de Brito teria sido de R$ 20 mil, de novo sem contar corretagem e impostos. “Eu opero no curto prazo”, diz. “Gosto do resultado imediato.” Quem especula com essas ações não se preocupa em fazer a lição de casa mais básica de qualquer investidor: qual o setor em que a empresa atua, se é uma companhia lucrativa, se sofre com a concorrência ou se é afetada pelo câmbio. Tudo se resume a uma questão de comprar e tentar vender por alguns centavos a mais. A ação passa a ser uma commodity puramente especulativa.
E, como tal, expõe o investidor a riscos elevados. “Apesar de parecer um excelente negócio, o volume financeiro dessas empresas é baixo”, diz o professor de finanças da Fundação Getulio Vargas César Caselani. “Do mesmo modo que ela sobe rápido, pode cair e estacionar.” Para ele, só deve entrar no jogo dos centavos quem estiver disposto a perder milhões. “Uma variação de preço de R$ 0,01 pode significar uma oscilação de 30% ou 40% no valor da ação”, afirma. “Imagine sofrer um prejuízo dessa magnitude.” A recomendação dos gestores é que os investidores não comprometam mais do que 3% dos recursos em aplicações desse tipo, que exigem dedicação integral.
Papéis baratos são sujeitos a manipulações,
como a realizada pelo rapper 50cent em 2010.
“Se a pessoa não tem 100% do tempo para se dedicar à compra e venda desses ativos, melhor nem arriscar”, diz Georges Catalão, gestor da carioca Lecca. Para ele, as cotações dessas ações são baixas porque as empresas passam por dificuldades econômicas ou enfrentam problemas judiciais. “Quem investe precisa ter um retorno elevado, pois o risco, tanto da ação quanto da empresa, costuma ser grande”, diz. Mauricio Kojo, analista da corretora Um Investimentos, concorda. Para ele, as oscilações nos preços desse tipo de ação geralmente são provocados por boatos sem base. “Os preços não oscilam dependendo de fundamentos como produção e saúde financeira”, diz Kojo. Por isso, os episódios de manipulação são frequentes.
Um dos mais conhecidos ocorreu nos Estados Unidos no fim de 2010. O rapper Curtis James Jackson III, mais conhecido como 50Cent, recomendou em sua conta no microblog Twitter a compra de ações da varejista H&H Imports, que valia poucos centavos. “Vocês vão ganhar muito se comprarem essa ação”, disse ele a seus 3,8 milhões de seguidores. Não por acaso, o próprio rapper era um dos maiores investidores. 50Cent possuía 12,9% do capital da empresa de varejo e, estima-se, lucrou US$ 5,2 milhões em dois dias. A toada mudou quando ele foi processado pelas autoridades americanas, mas o caso é um bom exemplo de como essas ações são suscetíveis a influências alheias ao mercado. O advogado Brito está ciente desses riscos.
Para se blindar contra fortes quedas, ele analisa a empresa e troca informações com outros investidores pela internet. Os movimentos são rápidos e seus investimentos podem durar apenas 20 minutos. “Se tiver um centavo de lucro por ação, eu vendo e embolso o lucro em uma ou duas horas”, diz. Se os preços não oscilam, Brito vende pelo que comprou para evitar grandes perdas. Para Caselani, da FGV, além dos riscos de se perder dinheiro, tanto com a queda nas cotações quanto nos empréstimos das corretoras, é preciso atentar às taxas de corretagem e custódia. “O ganho é calculado em centavos e a corretagem e as taxas são em dezenas de reais”, diz Caselani.