Para entrar no século 21, o Brasil precisará adotar apenas uma decisão: lastrear sua governança pública em dados e não em políticos. Claro que não será tarefa fácil. Eu diria que a probabilidade maior é a de que isso nem aconteça. De qualquer maneira, a discussão precisa ser colocada à mesa. E vale para qualquer área. Como enfrentaremos o envelhecimento populacional num país em que 75% das pessoas são dependentes do sistema público de saúde? Ou como faremos com que 400 mil jovens de 15 a 17 anos, hoje fora do Ensino Médio, passem a estudar? Apenas essa dupla combinação saúde-educação sem ser enfrentada (e não está sendo) já é suficiente para destroçar nossa economia por mais uma década. De forma côncava, mas num tema igualmente grave, vivemos uma onda migratória pouco tratada e que impactará qualquer agenda de crescimento. A fuga dos ricos.

De acordo com o mais recente relatório sobre o assunto, do segundo trimestre de 2022, elaborado pela consultoria Henley & Partners, no ranking de perda de milionários o Brasil ficou atrás apenas de quem está em guerra ou de nações com superpopulações – China e Índia. A Henley & Partners é líder global em soluções de residência e cidadania por investimento. A lista é elaborada considerando as pessoas com patrimônio líquido acima de US$ 1 milhão que trocam de país. Em termos de saídas líquidas (diferença entra as pessoas de alto patrimônio que chegam a um novo destino comparado com o número que sai), cerca de 2,5 mil brasileiros vazaram. Somente aí é equivalente a US$ 2,5 bilhões. Evidentemente, a troca de latitude ou longitude não significa que todo aquele dinheiro foi embora. Mas significa que parte sim. E significa que tudo o que envolve a construção daquela riqueza, toda a inteligência por trás dela, foi embora.

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OK, conhecendo o Brasil como o conhecemos, podemos colocar certa parte dessa onda migratória na rubrica do dinheiro suspeito ou construído de forma duvidosa. Sim. Mas efetivamente a maior parte de quem decidiu ir embora atua no campo da legalidade. Hoje, os países que mais veem seus cidadãos partir são a Rússia (15 mil), China (10 mil sem Hong Kong), Índia (8 mil), Hong Kong (3 mil), Ucrânia (2,8 mil), Brasil (2,5 mil), Reino Unido (1 mil), México (800), Arábia Saudita (600) e Indonésia (também 600). No lado oposto, estão os que recebem essas pessoas – e o dinheiro delas. O top 10 traz Emirados Árabes Unidos (+ 4 mil), Austrália (3 mil), Cingapura (2,8 mil), Israel (2,5 mil), Suíça (2,2 mil), Estados Unidos (1,5 mil), Portugal (1,3 mil), Grécia (1,2 mil), Canadá (1 mil) e Nova Zelândia (800).

De acordo com a a Henleys & Partners, nove dos dez países com fluxo de entrada líquida de milionários apresentam programas de Migração de Investimentos – quando há forte incentivo à migração de investimentos em troca de direitos de residência permanente ou cidadania. No caso do programa português, eleito o melhor pela Henleys, os requisitos partiam da transferência de capital no valor de US$ 1 milhão, ou criação de pelo menos dez postos de trabalho ou compra de um imóvel de 500 mil euros ou mais. A partir de 2015 houve uma revisão da lei e outras atividades de investimentos de valores menores foram incluídas – como investimentos em artes, ou áreas de revitalização urbana.

O fluxo migratório de milionários é uma parte igualmente estratégica para cada país. E também nela o Brasil nem sequer tem informações, projeto ou debate. Não precisamos de políticos. Precisamos de dados e inteligência computacional. Eles até podem existir, desde que não façam nada. Um pouco como macacos numa espaçonave.