13/07/2025 - 13:00
Após atingir o recorde de arrecadação em 2024, a Feira Preta, o maior festival de empreendedorismo negro do Brasil, perdeu investimentos no ano seguinte e teve de adiar para 2026 sua tradicional edição na cidade de São Paulo. Em uma conversa com a IstoÉ Dinheiro, a fundadora e CEO do evento, Adriana Barbosa, atribuiu a retração a uma mudança no paradigma dos investimentos sociais.
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“Acho que tem uma agenda fortalecida no campo das mudanças climáticas, que é uma pauta mais universal. Tem também a COP esse ano no Brasil, em Belém. Então tem um olhar mais estratégico das empresas para esse campo”, afirma Barbosa.
“Eu acho que não só o que está acontecendo nos Estados Unidos reflete muito, mas também a mudança da pauta, a migração da diversidade para mudanças climáticas”, avalia.
Segundo a executiva, o evento e a pauta racial sempre enfrentaram dificuldades para conseguir investimentos. “A gente passou a receber investimento com a história do George Floyd. Foi quando a estratégia de ESG se fortaleceu no Brasil e teve muitas coalizões e alianças em prol da equidade racial. Aí a Feira começa a ser percebida pelas marcas”, recorda.
Quem pulou fora
A organização do evento não divulgou quais patrocinadores deixaram de apoiá-lo em 2025. A redação da IstoÉ Dinheiro, no entanto, questionou as empresas que apareciam nos anúncios do festival em 2024.
O Mercado Livre/Mercado Pago disse que “fez uma proposta para a Feira Preta, via Lei Rouanet, mas não chegou a finalizar uma negociação. O recurso foi realocado para outras iniciativas”. Questionado, não detalhou quais.
Vivo, Coca-Cola, Seda e iFood confirmaram que não estão entre os patrocinadores deste ano, porém não enviaram posicionamento. Já a Budwiser não retornou ao contato.
Apesar da mudança de paradigma, Barbosa descarta acusações de greenwashing (prática de adotar iniciativas de impacto social apenas como marketing, sem compromisso real) frequentemente levantadas contra as companhias.
“O marketing vai refletir aquilo que a empresa adotou como uma estratégia. Na época do George Floyd, a agenda racial estava mais forte. Agora, o que está mais forte é a pauta de mudanças climáticas. As agendas migram, os processos são cíclicos”, analisa Barbosa.
Raça e clima conectados
Barbosa afirma que sua luta é por encontrar formas de unir diferentes pautas. “Enquanto a gente olhar de maneira fragmentada e não estabelecendo uma relação de interdependência entre cada uma das coisas, a gente fica na onda”, diz.
Na sua visão, a pauta racial e o clima, por exemplo, estão profundamente conectados.
“Não tem como pensar mudanças climáticas sem fazer intersecção de raça e gênero”, diz.
Segundo o Boletim Saúde, Raça e Clima, divulgado pelo Ministério da Saúde no final de 2024, as mudanças climáticas afetam proporcionalmente mais populações vulneráveis, sobretudo negros e indígenas.
“No Brasil, a gente com certeza avançou muito na questão racial, mas a gente precisa avançar. Como o racismo é sistêmico e estruturante, as soluções precisam ser sistêmicas e estruturantes”, conclui Barbosa.
O futuro da Feira Preta
Apesar de ter cancelado a edição paulistana do festival, realizado na cidade desde 2002, a Feira Preta anunciou uma versão na Bahia entre 28 e 30 de novembro.
Adriana Barbosa explica que, na capital baiana, foi possível conseguir apoios institucionais maiores, como de um programa da prefeitura municipal batizado de “Salvador Capital, África”. Também foi possível conseguir isenção do espaço a ser utilizado.

A CEO afirma que os custos de produzir o evento na Bahia são consideravelmente menores, já que em São Paulo ocorre o que ela chama de “uma bolha dos festivais”. “O que eu pago hoje de infraestrutura é muito diferente do que eu pagava 4, 5 anos atrás. O contexto da pandemia modificou o campo dos festivais, do entretenimento”, diz.
Em Salvador, a empresa também já tem uma história, com um espaço colaborativo para uso dos empreendedores, o Embaixada Preta, fixado no Recôncavo Baiano. Outras iniciativas como o “Feira Preta Cria” (anteriormente chamado Afrolab, voltado para formação de empreendedores) e o “Feira Preta Investe” (de investimentos) promovem ações em todo o país. “A gente tem muitos empreendedores que foram acelerados e investidos na Bahia”, diz Barbosa.
Ainda não está definido se São Paulo voltará a ter uma edição anual do festival. Por ora, o fundamental, segundo Barbosa, é seguir com o trabalho e atenta ao cenário do mercado de impacto no país.
“A gente primeiro precisa fazer uma leitura do contexto atual. Entender se aquilo que a gente faz responde às complexidades do presente, se as ferramentas dão conta do que está acontecendo agora, se não, onde elas precisam ser revistas e como a gente precisa renovar”, diz a CEO.