10/02/2025 - 8:26
Discordância em temas internos não poderia ser maior, mas duelo entre concorrentes à chefia de governo da Alemanha revela também afinidades na política externa. Sondagem pós-duelo mostra leve vantagem para Scholz.Muita política interna alemã e alguns poucos minutos para a guerra na Ucrânia e para como interagir com o presidente americano, Donald Trump: esses foram os temas do primeiro duelo televisivo entre os dois principais candidatos à chefia de governo da Alemanha na próxima eleição, Olaf Scholz e Friedrich Merz. O programa de 90 minutos correu paralelamente nos dois canais de TV de direito público da Alemanha, a ARD e a ZDF, neste domingo (09/02), em horário nobre.
Para o chanceler federal em exercício, Olaf Scholz, e seu Partido Social-Democrata (SPD), a situação não poderia ser mais dramática. O 23 de fevereiro, data da eleição parlamentar antecipada, aproxima-se inexoravelmente, mas, aconteça o que acontecer, os social-democratas estão como que enterrados num buraco de popularidade: os institutos de pesquisa lhes atestam atualmente entre 15% e 17% das intenções de votos. Na eleição anterior, em setembro de 2021, eles venceram com 25%.
O que está em jogo para o chefe de governo é nada menos do que o próprio futuro político: só se o SPD sair das urnas em primeiro lugar ele poderá manter sua carreira. Caso Merz, da coligação entre a União Democrata Cristã(CDU) e a União Social Cristã (CSU), vença, estará na hora de Scholz se aposentar, aos 66 anos.
A sombra da AfD
Com 30%, os conservadores lideram claramente as pesquisas. Não afetou em nada nesse desempenho a decisão da CDU/CSU de contar com os votos da ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD) no parlamento, com a finalidade de aprovar duas propostas para endurecer a política de imigração.
Na visão de Scholz, contudo, isso foi “uma quebra de tabu” e “uma quebra de palavra” – acusações essas que eles repetiu ao longo do debate. Desse modo, argumentou o chanceler federal, os conservadores deram fim um consenso de décadas entre os partidos do centro democrático de jamais cooperar com extremistas de direita.
“Ano passado, ouvimos do Sr. Merz que não haveria colaboração com a AfD – e agora houve”, apontou o centro-esquerdista. Portanto não há como se ter certeza de que o líder democrata-cristão não voltará a colaborar com o partido, em parte classificado como de extrema direita pelo serviço secreto interno da Alemanha.
Como mostram as pesquisas de opinião, não são poucos os cidadãos que compartilham dessa apreensão. Nos últimos dias realizaram-se diversas passeatas contra a guinada para a direita na Alemanha, reunindo, só em Munique, mais de 250 mil manifestantes no sábado passado.
Na TV, Merz tentou mais uma vez dispersar as preocupações, assegurando que não haverá colaboração: “Mundos nos separam nas questões de conteúdo, em relação à Europa, à Otan, o euro, a Rússia, os EUA. Não existem pontos em comum entre a AfD e a CDU/CSU, em nenhuma coalizão, nenhuma tolerância.”
Entre “burro” e “encanador”, onde fica o respeito?
Porém o conservador insistiu na intenção de endurecer a política de imigração, com controles fronteiriços e rechaço de refugiados já nas fronteiras. Scholz rebateu que isso seria uma medida nacional unilateral: “Não entendo por que alguém deveria ser tão burro?” Pois isso colocaria em risco, dentro da União Europeia, aquilo que a Alemanha acabara de conseguir com o consenso sobre a reforma das leis de asilo e refúgio, argumentou o centro-esquerdista – e em troca de uma política que, de qualquer modo, acabaria sendo derrubada pelo Tribunal de Justiça da UE e as cortes administrativas.
Merz rebateu que a Lei Fundamental (Constituição) alemã permite a recusa de candidatos a refúgio. “Nós tivemos grande aceitação da população pelo meu curso nessa questão, os números das pesquisas crescem. Então não pode estar tudo tão errado assim.” E evocou “centenas de novas filiações” à CDU.
Os dois políticos são diametralmente opostos também fisicamente: o líder conservador, com quase 2 metros de altura, contrasta com o atual chefe de governo, quase 30 centímetros menor. Ambos também não escondem a antipatia mútua e não gastam elogios um ao outro.
“O senhor não é capaz”, atacou Merz mais de uma vez no Bundestag (parlamento): a figura de Scholz seria “de dar vergonha”, ele não seria mais do que um “encanador do poder”. Recentemente o social-democrata revidou de frente, comentando que o “Fritze Merz” estaria falando “tünkram” – algo como “besteirada”, no dialeto do norte alemão.
No início do duelo deste domingo, perguntou-se a ambos como fica o respeito mútuo, diante de tais investidas verbais: “Eu não levei a mal essas palavras do chanceler federal, e em contrapartida parto do princípio de que ele também não leva as minhas a mal”, afirmou Merz. E Scholz respondeu: “Acho que faz parte batermos de frente.”
Política econômica é outra questão controversa
Em seguida o debate se voltou para a política econômica. Merz acusou Scholz de ter uma percepção distorcida da realidade. “Estou um tanto chocado com a maneira como o Sr. descreve o estado da nossa economia aqui esta noite”, disse o candidato da CDU/CSU.
Scholz havia afirmado anteriormente que não houve desindustrialização na Alemanha. Merz respondeu que o país estava passando por uma onda de falências como nunca antes nos últimos 15 anos. “50 mil empresas faliram na Alemanha durante seu mandato, quase metade delas no ano passado”, disse.
Scholz admitiu que “algo está acontecendo e temos que fazer alguma coisa.” No entanto, o chanceler destacou, entre outras coisas, o aumento do número de pessoas empregadas. Além disso, a Alemanha tem a segunda menor taxa de desemprego entre todas as democracias economicamente fortes do G7.
Também houve desacordo sobre de onde tirar o dinheiro para os investimentos equivalentes a 2% do PIB em defesa, como decidido no âmbito da Otan. Merz disse contar com a recuperação econômica e sinalizou até mesmo ir além dos 2%.
Isso irritou o chanceler, que acusou Merz de estar enganando a população. “Não há crescimento econômico que possa financiar 30 bilhões de euros adicionais para a Bundeswehr. Então isso seria tirado de aposentadorias, saúde, assistência social, estradas, ferrovias e da modernização da nossa economia”, rebate. Para Scholz, o único caminho a seguir é reformar o freio da dívida.
Trump e Ucrânia
Enquanto na política interna as discordâncias entre os dois líderes são grandes, houve consenso nos assuntos externos: tanto o chanceler quanto seu desafiante manifestaram-se por uma resposta europeia firme caso Trump resolva impor sobretaxas alfandegárias à União Europeia.
Indagado se a UE já dispõe de listas de possíveis produtos americanos a serem taxados, Scholz respondeu que seu governo está preparado, e que “podemos agir no prazo de uma hora”.
No tocante à guerra da Rússia contra a Ucrânia, Merz voltou a se pronunciar pelo fornecimento a Kiev de mísseis de cruzeiro Taurus, frisando que o país sob ataque deveria ter recebido mais assistência militar desde o início. Para Scholz, decisiva para a segurança ucraniana seria, após um cessar-fogo, a formação de um exército próprio forte. Ambos enfatizaram que a Ucrânia continua podendo contar com o apoio da Alemanha, mas um ingresso na Otan não estaria em cogitação, no momento.
Quem saiu vencedor do duelo?
Na qualidade de candidato com mais chances de vencer, perguntou-se a Friedrich Merz com quem imaginaria formar uma coalizão de governo, já que, sozinhas, a CDU e a CSU não deverão obter maioria absoluta.
O político conservador disse poder imaginar negociações tanto com o SPD quanto com o Partido Verde. Porém sua precondição é a adoção de políticas que impeçam um maior avanço da AfD. Ele reforçou que não apoiará abordagens esquerdistas que, na opinião dele, acarretaram a ascensão dos ultradireitistas e que “todos que quiserem governar conosco vão ter que se mover em direção ao centro político”.
Numa consulta do grupo de pesquisa Wahlen em seguida ao duelo televisivo, 37% consideraram Scholz o vencedor, contra 34% que escolheram Merz, enquanto 29% não viram diferença entre ambos.
Ambos os candidatos à Chancelaria Federal se mostraram satisfeitos após o debate, que teria sido importante e necessário. Para Merz, foi “uma lição de democracia”. Scholz comentou: “É democracia poder dialogar sobre posicionamentos diferentes. E eu acho que pude apresentar pontos muito bons.”