À frente do governo alemão, conservador Friedrich Merz aumenta protagonismo alemão no cenário internacional, aperta política migratória e aumenta gastos, mas vê reprovação entre eleitorado crescer.Quando o Parlamento alemão (Bundestag) se reuniu em 6 de maio para eleger o conservador Friedrich Merz como chanceler federal, alguns analistas falaram que aquela era uma “última chance” para a democracia alemã.

Anos de novos conflitos, como as da coalizão de governo anterior entre social-democratas, verdes e liberais, acabariam, segundo eles, por desintegrar a sociedade, elevando o populismo de direita e a raiva contra as elites a níveis insuportáveis. Nas eleições de fevereiro de 2025, o partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) dobrou seu resultado anterior, recebendo 20,8% dos votos.

Agora, são os conservadores em torno de Friedrich Merz e os sociais-democratas do SPD é que deveriam trabalhar juntos para garantir a calma e a confiabilidade na política alemã. Mas o início foi espetacularmente atribulado: Friedrich Merz inicialmente fracassou em se eleger chefe de governo na primeira rodada de votação parlamentar. Faltaram seis votos de seu próprio partido, algo que nunca havia acontecido com um candidato a chanceler antes. Mas ele conseguiu ganhar a votação numa segunda rodada.

Popularidade interna baixa, presença no exterior

Nos cerca de 100 dias que se passaram desde então, Merz tem patinado no gosto do eleitorado, enfrentando impopularidade crescente.

Uma pesquisa elaborada pelo instituto Insa e divulgada neste domingo (10/08) pelo jornal Bild am Sontag apontou que apenas 27% dos alemães estão satisfeitos com o trabalho da coalizão de governo, formado pelo bloco conservador CDU/CSU de Merz e o Partido Social-Democrata (SPD), de centro-esquerda.

Outro 60% expressaram insatisfação e 13% não responderam à pesquisa. No início de junho, cerca de um mês após a coalizão assumir o poder, 37% afirmaram estar satisfeitos, enquanto os insatisfeitos chegavam a 44%. Dessa forma, a porcentagem de alemães insatisfeitos com o governo saltou 16 pontos percentuais em pouco mais de dois meses.

Entretanto, Merz tem conseguido certo destaque na política externa. Logo após sua eleição, fez uma viagem de alto nível à Ucrânia com o presidente francês, Emmanuel Macron, e o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, assegurando ao presidente Volodimir Zelenski sua solidariedade. No início de junho, visitou o presidente americano, Donald Trump, na Casa Branca e, ao contrário de outros visitantes, foi bem recebido. Merz causou boa impressão na cúpula da UE e na cúpula da Otan.

Sua escolha de palavras pouco diplomáticas ocasionalmente causava irritação. Como, por exemplo, após o ataque de Israel ao Irã em 13 de junho: “Este é o serviço sujo que Israel faz por todos nós. Também somos afetados por este regime. Este regime de mulás trouxe morte e destruição ao mundo. Com ataques e assassinatos. Com o Hezbollah, com o Hamas.” Mas, anteriormente, Merz também havia sido inusitadamente aberto em suas críticas a Israel, afirmando que não entendia mais a estratégia do Exército em suas ações na Faixa de Gaza. Merz falou com tanta frequência sobre questões de política externa que seu ministro das Relações Exteriores, Johann Wadephul, frequentemente ficou em segundo plano.

Linha dura na migração

Na política interna, a questão da migração foi um foco central para o novo governo desde o início. O novo ministro do Interior, Alexander Dobrindt, buscou limitar a migração irregular, impedindo a entrada de pessoas já nas fronteiras. Isso incluía a recusa de requerentes de asilo, o que muitos críticos consideram violar a legislação da UE.

Depois que a Alemanha reintroduziu controles na fronteira com a Polônia, o governo polonês respondeu com seus próprios controles, provocando longos engarrafamentos em ambos os lados. Dobrindt defendeu repetidamente a política migratória restritiva: “A UE é uma região aberta ao mundo. Continuaremos sendo uma região aberta ao mundo. Mas não queremos que contrabandistas, traficantes e gangues criminosas decidam quem entra na nossa região. Queremos que as decisões políticas ditem as rotas legais para a Europa, mas não as deixem para gangues criminosas.”

Um trilhão de euros em nova dívida

O novo governo já havia causado sensação mesmo antes de tomar posse, quando organizou uma maioria parlamentar de dois terços junto com os verdes e suspendeu as rígidas regras da dívida alemã, aprovando um superpacote de gastos.

Por conta disso, a Alemanha terá, gigantescos 500 bilhões de euros adicionais à sua disposição nos próximos anos, teoricamente até fundos ilimitados para investir em rearmamento, bem como mais 500 bilhões de euros para a renovação de infraestrutura do país, para a construção de novas estradas, ferrovias e escolas, e para a proteção climática.

Muito embora os conservadores de Merz tivessem prometido durante a campanha eleitoral cumprir as rígidas regras da dívida. No Bundestag, o novo ministro das Finanças, Lars Klingbeil, do Partido Social-Democrata (SPD), declarou: “A OCDE, o Fundo Monetário Internacional, a Comissão Europeia e o G7 – todos eles têm repetidamente apelado e aconselhado a Alemanha nos últimos anos a investir mais e flexibilizar as regras da dívida. Isso não foi possível até agora. Mas aqui no Parlamento, finalmente afrouxamos essas amarras e estamos investindo mais do que nunca no futuro do nosso país.”

Polêmica sobre bandeira arco-íris

Ficou claro, especialmente nas últimas semanas, que o governo está sendo novamente influenciado por visões mais conservadoras: em anos anteriores, a bandeira arco-íris sempre foi hasteada no prédio do Parlamento no dia em que ocorre a parada do orgulho LGBTQI+ em Berlim, mas neste ano a nova presidente do Bundestag, Julia Klöckner da mesma União Democrática Cristã (CDU) de Merz, vetou a medida.

A medida gerou muitas críticas, embora Klöckner tenha permitido que a bandeira fosse hasteada no Dia Contra a Homofobia, em 17 de maio. Merz saiu em defesa da presidente, novamente com uma escolha ousada de palavras. “O Bundestag não é uma tenda de circo onde você pode hastear a bandeira que quiser. Há um dia no ano, 17 de maio, em que a bandeira arco-íris é hasteada. E em todos os outros dias, a bandeira alemã e a bandeira europeia são hasteadas no Bundestag.”

Disputa por vaga no supremo alemão

Apesar dessas disputas, o trabalho do governo inicialmente prosseguiu discretamente – até o último dia de trabalho no Bundestag antes do recesso de verão: o governo, na verdade, queria eleger vários candidatos para os cargos de juiz no Tribunal Constitucional Federal. No passado, os partidos governistas sempre tentaram preencher os cargos importantes da forma mais amigável e sem disputas possível, para não prejudicar a reputação da mais alta corte da Alemanha.

Mas desta vez isso não funcionou. Muitos parlamentares conservadores se recusaram a votar na candidata do SPD, Frauke Brosius-Gersdorf. Anteriormente, a candidata havia sido alvo de críticas, principalmente em redes sociais de direita. A pressão foi tanta que Brosius-Gersdorf acabou retirando sua candidatura. A disputa certamente continuará a dominar o período após o recesso de verão, já que o SPD agora precisa de um novo candidato ao posto. Por enquanto, essa disputa está ofuscando o governo após 100 dias no cargo.