11/10/2013 - 5:30
Apesar de deslumbrante, a imagem do boia-fria que ilustra esta reportagem não deixa de ser anacrônica; afinal, menos de 20% da colheita de cana-de-açúcar paulista é realizada manualmente. A modernidade chegou aos canaviais, tanto na maneira de colher quanto na forma de financiar a produção. Nas duas últimas semanas, três emissões de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) saíram do campo em direção à cidade. Para o produtor, esses títulos de renda fixa representam uma forma de diversificar as fontes de financiamento, já que eles recebem antecipadamente o valor da venda da safra. Para o investidor, eles significam uma oportunidade de ganho sem precisar se aventurar por estradas de terra.
O nome complicado esconde uma operação relativamente simples, a antecipação de um pagamento a receber. Funciona assim: o produtor assina um contrato com uma empresa que se compromete a comprar a safra. Com o Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA) em mãos, a usina fecha uma parceria com uma securitizadora, que faz a emissão dos CRA e paga o valor acertado. Esses títulos são então vendidos para os investidores. Apesar de ter sido regulamentada em 2004, essa operação era pouco frequente no mercado de capitais. No entanto, as boas perspectivas para a economia no campo aumentaram o interesse dos investidores nas últimas semanas.
A primeira emissão pública desses papéis para pessoas físicas foi realizada em agosto do ano passado e, de lá para cá, o estoque na Cetip e na BM&F atingiu R$ 1,2 bilhão. O volume é ainda muito pequeno em comparação com o de outro certificado de recebíveis, o imobiliário, que alcança R$ 36,5 bilhões. A expectativa de especialistas, porém, é de que os números dessa sopa de letrinhas convirjam nos próximos anos. Por isso, as três emissões recentes de CRA têm um papel importante. Realizadas por estrelas do mundo do agronegócio, como Bunge e Sygenta, além de uma usina menos conhecida, a Nardini Agroindustrial, essas captações somam quase R$ 500 milhões.
O investidor corre o risco de o produtor não entregar a produção e de a empresa compradora não pagar pelo que comprou
?Por ser algo novo, as emissões de CRA têm sido direcionadas para investidores qualificados, o que significa que precisam ter mais de R$ 300 mil livres para aplicação?, afirma Fernanda Mello, diretora da Octante Securitizadora. ?Estamos em um momento de educar o investidor?, afirma. Para estimular ainda mais a negociação, o governo concedeu isenção de Imposto de Renda para pessoas físicas. Outro atrativo é a rentabilidade. As operações têm saído com retorno de CDI mais spreads que vão de 3% a 6%. ?As empresas têm dado um prêmio para os investidores, porque o CRA ainda não é tão conhecido?, diz João Paulo Pacífico, diretor da Gaia Agro.
Pedro Parente, presidente da Bunge: captação de R$ 240 milhões
Clídio Carvalho, diretor de relações com investidores da securitizadora Agrosec, lembra que, diferentemente do CRI que tem um lastro padronizado ? o imóvel ?, no CRA, a operação pode estar atrelada a reflorestamento, pecuária ou até plantação de soja. ?Os produtores entenderam que precisam de outras fontes de financiamento para além do crédito rural, que é limitado?, diz. Sem falar que é uma porta de entrada no mundo de capitais. ?Se a usina pretende fazer abertura de capital, é uma forma de se tornar conhecida pelos investidores?, diz Pacífico. Como todo investimento, porém, os CRA têm os seus riscos. Entre eles está o perigo de o produtor não entregar a safra prometida, além de o temor de a empresa compradora não pagar pela produção.
Para mitigar esses riscos, algumas operações são avaliadas por agências de rating, como Moody?s ou Standard & Poor?s, enquanto outras possuem garantias. É o caso da emissão da Nardini, que oferece um colchão de segurança: a produção estimada é 40% maior do que o total que a empresa tem de entregar na operação. ?Além disso, a safra é monitorada mensalmente para evitar surpresas?, conta Pacífico. ?Se mesmo assim houver, seremos os primeiros a executar as garantias.? Dentre as emissões recentemente protocoladas na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a da Bunge, presidida por Pedro Parente, chama a atenção.
A empresa pretende captar até R$ 240 milhões e o valor de cada título sênior será de R$ 1 milhão. Já, no caso da Nardini, a usina quer captar até R$ 120 milhões e pretende pagar CDI mais 3% ao ano com amortização mensal. ?Essas estruturas são difíceis de montar; na primeira operação, demoramos dois anos?, diz Fernanda, se referindo à primeira emissão da Syngenta, que acaba de lançar a segunda rodada. ?Mas, com o passar do tempo, vai se tornando mais corriqueiro e o segredo é oferecer uma taxa interessante atrelada a um nome forte da indústria.?