19/08/2021 - 12:05
Milhares de pessoas permaneciam bloqueadas em Cabul, nesta quinta-feira (19), em sua tentativa de deixar o país, acusou o governo dos Estados Unidos, enquanto a Rússia advertiu que a resistência aos talibãs se organiza no nordeste do país.
Dezenas de milhares de pessoas tentam fugir do Afeganistão desde que o movimento islamita radical assumiu o poder no país no domingo (19). Uma ofensiva militar relâmpago permitiu a tomada da capital em apenas dez dias, após duas décadas de guerra.
Os afegãos, que recordam o regime talibã precedente (1996-2001), marcado por violações dos direitos humanos, não confiam nas promessas de moderação apresentadas pelo grupo nos últimos dias.
Os que desejam fugir perambulam desesperançosos entre o aeroporto e as embaixadas ocidentais. Os acessos aos locais vitais para a fuga estão vigiados pelos novos donos do poder na capital afegã.
“Conversei com um amigo que está lá (no aeroporto). Ele tem uma carta dos espanhóis que garante que pode sair com eles, mas quando tenta entrar é ameaçado com tiros”, contou à AFP um homem que pediu para não ser identificado.
“Os espanhóis disseram que, se ele conseguir entrar, tudo vai ficar bem, mas ele não consegue”, completou.
– Resistência em Panshir –
Os talibãs constituem aos poucos suas autoridades políticas, após a chegada do exílio do cofundador deste movimento, mulá Abdul Ghani Baradar. Ao lado de outros dirigentes do grupo, ele se reuniu com o ex-presidente afegão Hamid Karzai.
Em paralelo, a resistência se organiza no isolado vale do Panshir, liderada pelo vice-presidente Amrullah Saleh e pelo filho do comandante Masud, o emblemático líder antitalibã assassinado nos anos 1990, afirmou o ministro russo das relações Exteriores, Serguei Lavrov.
“Os talibãs não controlam todo Afeganistão. Há informações que chegam de Panshir”, ao nordeste de Cabul, “onde se concentram as forças da resistência do vice-presidente Saleh e de Ahmad Masud”, disse Lavrov.
“Os Estados Unidos ainda podem ser um grande arsenal da democracia”, ao apoiar seus combatentes com armas, afirmou Ahmad Masud, em um artigo publicado no jornal The Washington Post.
Há mais de 20 anos, seu pai, o lendário comandante Ahmed Shah Masud, também liderou a resistência aos talibãs.
Na época, os islamitas afegãos abrigavam de maneira aberta a Al-Qaeda, rede que executou um atentado mortal contra Masud para ajudar os talibãs a se estabelecerem no poder.
Dois dias depois, em 11 de setembro de 2001, aconteceram os ataques da Al-Qaeda nos Estados Unidos.
– Afegãos bloqueados –
O governo dos Estados Unidos enviou 6.000 militares para garantir a segurança do aeroporto de Cabul e retirar os 30.000 americanos e civis afegãos que trabalharam para Washington e temem por suas vidas. Até o momento, pouco mais de 7.000 pessoas deixaram o país.
Reino Unido, França e Espanha, entre outros países, também organizam operações de retirada.
Embora os talibãs liberem a passagem das pessoas com passaporte americano, “estão impedindo a chegada ao aeroporto dos afegãos que desejam sair do país”, afirmou a subsecretária de Estado dos EUA, Wendy Sherman.
Durante a semana, o porta-voz dos talibãs, Zabihullah Mujahid, prometeu que o novo regime será “positivamente diferente” do que governou o país entre 1996 e 2001 e impôs uma interpretação rigorosa da “sharia” (lei islâmica), com apedrejamentos e a negação dos direitos das mulheres.
Apesar das promessas, a vitória dos talibãs gerou grande preocupação na população.
Muitos cartazes publicitários com rostos de mulheres foram vandalizados, ou desapareceram das ruas de Cabul.
– Caos e críticas –
Muito criticado em seu país e no exterior pela gestão da retirada das tropas americanas, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, admitiu na quarta-feira “dificuldades” e disse que uma certa forma de “caos” era inevitável.
“A ideia de que, de alguma forma, havia uma forma de ter saído sem que isso resultasse em um caos, não vejo como seria possível”, declarou o presidente em entrevista à rede ABC News.
Na frente internacional, os talibãs parecem ter conseguido uma recepção menos hostil que há duas décadas. Naquele momento, apenas Paquistão, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita reconheceram seu regime.
Até agora, nenhum país reconheceu oficialmente um governo insurgente, mas China, Turquia, Rússia e Irã já enviaram sinais de abertura aos talibãs.
A porta-voz do Ministério russo das Relações Exteriores, Maria Zakharova, afirmou nesta quinta-feira que os talibãs “estão restaurando ativamente a ordem” e demonstraram o “desejo de diálogo”.
Os países ocidentais são muito mais reticentes, porém, e afirmam, conforme declaração do premiê britânico, Boris Johnson, que julgarão os talibãs por suas “ações, não por suas palavras”.