Frase “Pela pátria, prontos!”, puxada pelo cantor nacionalista Marko Thompson, era usada pelo regime croata instalado pela Alemanha nazista. Músico diz que lema se refere a guerra dos anos 1990.Milhares de pessoas participaram neste sábado (06/07) de um show do controverso cantor nacionalista croata Marko Perković Thompson, em Zagreb. Na apresentação, anunciada como o maior concerto privado já realizado na Europa, o músico repetiu uma controversa saudação da era nazista, como parte de uma de suas músicas mais populares.

A canção começa com o verso “Pela pátria, prontos!”. Este foi o lema usado pelo regime fascista Ustase, apoiado pelos nazistas alemães durante a Segunda Guerra Mundial. O verso foi repetido pelo público presente, que segurava bandeiras da Croácia.

As tropas Ustase perseguiram e mataram brutalmente milhares de sérvios, judeus, ciganos e croatas antifascistas em uma série de campos de concentração no país entre 1941 e 1945.

Os líderes fascistas assumiram o poder após a Alemanha invadir a região e instalar um governo fantoche no que ficou denominado Estado Independente da Croácia. A organização também repetia saudações nazistas como o gesto com o braço direito estendido.

Apesar das atrocidades documentadas, alguns ainda veem os antigos líderes do regime como fundadores do Estado croata independente. O governo fantoche colapsou após a derrota do Eixo e a Croácia voltou a ser parte da antiga Iugoslávia.

Os organizadores afirmaram que quase meio milhão de pessoas participaram do show de Perković na capital croata. Imagens transmitidas pela mídia local mostraram muitos fãs exibindo a mesma saudação ao longo do dia.

Thompson rejeita vinculação nazista

Perković, cujo nome artístico é Thompson, em referência a uma metralhadora de fabricação americana, nega que suas músicas glorificam o fascismo. Segundo ele, as letras representam o amor a Deus, à família, à pátria e ao povo.

O cantor afirma que a saudação inserida em sua música se refere à guerra étnica vivida no país entre 1991 e 1995, após a Croácia declarar independência da antiga Iugoslávia. Ele diz que sua música é “um testemunho de uma era”. Durante o conflito, a frase foi repetida informalmente por tropas separatistas.

A saudação é controversa na Croácia. Políticos nacionalistas defendem que a frase tem outra conotação quando usada como memória histórica do conflito dos anos 1990, enquanto oposicionistas criticam seu apelo e raízes no regime fascista.

Apesar de a saudação ser condenada e banida pelo governo, sua proibição não é plena e leva a interpretações subjetivas da lei, o que tem feito a justiça decidir a permissibilidade caso a caso.

De modo geral, os tribunais argumentam que a frase pode ser usada em contextos históricos e artísticos, se remetidos ao conflito dos anos 1990. Juízes autorizaram Perković a usá-la como parte de sua música, informou a televisão estatal croata HRT.

Em outras canções, o músico nacionalista também expressa uma visão abertamente expansionista da Croácia, como em “Lijepa li si”, em que considera uma região da Bósnia parte da Croácia. O cantor já teve shows proibidos em vários países europeus como Holanda, Suíça e Bósnia, acusado de flertar com a ideologia e a iconografia nazista.

Show levanta críticas de sérvios e croatas

A polícia informou que quase 500 mil ingressos foram vendidos para o concerto que ocorreu no Hipódromo de Zagreb, cidade de 800 mil habitantes. A maioria das ruas do centro da cidade foi fechada ao tráfego e cerca de 6 mil policiais foram mobilizados.

As autoridades relataram um desafio sem precedentes para que o show acontecesse sem incidentes graves.

O jornal croata Večernji List escreveu que a organização do show foi ofuscada pelo uso da saudação de um regime que autorizou “execuções em massa de pessoas”.

A televisão regional N1 observou que, quaisquer que sejam as interpretações modernas da saudação, suas raízes estão “indiscutivelmente” na era do regime Ustasha.

A N1 acrescentou que a Croácia está longe de romper definitivamente com símbolos relacionados ao nazismo “para evitar interpretações distorcidas e o retorno a um passado sombrio”.

Na Alemanha, por exemplo, a repetição de saudações e gestos usados pelos nazistas é passível de multa e prisão.

O presidente populista sérvio Aleksandar Vučić criticou os shows de Perković e os chamou de uma demonstração “de apoio a valores pró-nazistas”.

O ex-presidente liberal sérvio Boris Tadić chamou a apresentação de “uma grande vergonha para a Croácia e para a União Europeia”, da qual a Croácia é membro.

O presidente da Croácia, Zoran Milanović, já se manifestou em shows anteriores de Thompson sobre as letras de suas músicas.

“Saudações, símbolos e canções Ustase […] não têm lugar e não devem ter lugar na atual República democrática da Croácia”, disse em agosto de 2024.

Thompson amplia popularidade

A enorme popularidade de Perković na Croácia reflete os sentimentos nacionalistas predominantes no país, 30 anos após o fim da Guerra de Independência da Croácia, nos anos 1990.

Thompson ganhou popularidade justamente no pós-guerra e se apresentou em diversos jogos da seleção croata de futebol ao lado de políticos de alto escalão.

“Dada a guinada geral à direita, não só na Croácia, mas em toda a Europa e no mundo, a popularidade de Thompson nem chega a surpreender”, afirma a musicóloga e historiadora Lada Duraković à DW.

Na própria Croácia, a causa de seu sucesso não é tanto a guerra contra os sérvios nos anos 90, mas a posterior libertação em 1995, diz ela. Nesse período, segundo a historiadora, o extremismo de direita passou a ser socialmente aceito, com apoio direto das elites do país.

“Num país onde até a Academia Croata de Ciências e Artes tenta ‘limpar’ a imagem da iconografia Ustase, os símbolos fascistas nos shows de Thompson não são escândalo, mas parte de um processo institucional de normalização do revisionismo histórico”, avalia Duraković.

gq (Reuters, AP, DW)