Quando criança, o paulista Cássio Beldi queria ser igual ao avô. Tanto é que, em vez de fantasias de super-heróis, o neto mais velho da família pedia para a mãe comprar terno e gravata para ficar mais parecido com o seu maior ídolo, o empresário Alexandre Beldi Netto, patriarca que construiu um conglomerado de empresas de TV a cabo, telefonia celular e internet em Sorocaba, interior de São Paulo. Devido a crises internacionais e à concorrência com companhias estrangeiras no início dos anos 2000, Alexandre percebeu que era necessário mudar a trajetória do Grupo Splice, que passou a investir em construção civil, concessões rodoviárias e educação.

O exemplo do avô, que faleceu em março de 2010, fez com que Cássio se tornasse empreendedor. Depois de voltar de uma temporada de estudos fora do País, abriu a gestora Mint Capital. “Aprendi que o dinheiro pode se movimentar facilmente”, afirma o executivo de 29 anos. Ele sabe do que está falando. Além de herdeiro de uma holding que mudou completamente o escopo de atuação, lida com investidores em sua gestora e ainda integra o comitê de investimento do multi-family office Soma Invest. Não é à toa que ele tem discutido frequentemente os possíveis efeitos que um imposto sobre grandes fortunas traria para ele, seus familiares e até clientes.

“Se decidirem taxar patrimônio, muitos investidores vão enviar o dinheiro para o exterior”, diz. “Ao mesmo tempo, veremos o mercado criar instrumentos, como trusts e fundações, para contornar a tributação.” Frequentadora intermitente dos noticiários, a tributação sobre grandes fortunas veio à tona durante a campanha eleitoral para presidência da República, no ano passado. A candidata Luciana Genro (PSOL) se disse favorável à criação de uma taxa, prevista pela Constituição de 1988. É dela e de seus colegas de partido Chico Alencar e Ivan Valente um dos projetos relacionados ao assunto, que está tramitando no Congresso Nacional.

A proposta, de 2008, não chegou a ser votada em plenário. Ela prevê uma taxação anual para pessoas com patrimônio superior a R$ 2 milhões. A alíquota começaria em 1% chegando a um máximo de 5% sobre patrimônios superiores a R$ 50 milhões. Outro projeto que pode ser votado no plenário é do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que prevê o pagamento de uma alíquota de 0,3% a 1%, caso o patrimônio supere R$ 6,8 milhões. Em ambos os projetos, o fato gerador é o patrimônio registrado no dia primeiro de janeiro de cada ano. Em um momento como o atual, em que o governo precisa arrecadar recursos para cumprir a meta de superávit de 1,2%, esse debate ganha ainda mais força.

“Todos queremos que o Brasil cresça e melhore, mas para isso precisa haver um esforço dos dois lados: onde estão os cortes de gastos do governo? Para mim, a medida parece mais política do que fiscal”, afirma Beldi. “Hoje, faz sentido pagar uma taxa de 1% porque os juros estão a 12,75%, o que torna o Brasil um bom lugar para se investir. Porém, a conta muda no momento em que a Selic começar a cair.” Na ponta do lápis, é difícil calcular quanto o governo arrecadaria com uma mordida do Leão sobre os endinheirados. Segundo levantamento feito pelo economista Amir Khair, haveria uma arrecadação de R$ 100 bilhões, levando-se em consideração um imposto de 1% sobre patrimônios superiores a R$ 1 milhão.

A Receita Federal não disponibiliza os valores dos bens por faixa de renda — até por isso o economista Thomas Piketty não conseguiu utilizar os dados brasileiros no seu livro “O Capital no Século XXI”. Para ele, a discussão é mais ampla. “Tributação progressiva não é só cobrar mais impostos dos ricos, mas também reduzir a taxação dos pobres”, disse ele à DINHEIRO em 2014. “Sempre que se cria um tributo, surgem formas de burlá-lo, mas a tecnologia torna cada vez mais difícil fazer isso”, afirma Khair. “A tributação não veio à tona até o momento porque sempre esbarrou em lobby”, diz ele.

Há argumentos sólidos a favor da ineficácia desse imposto. Apesar de aplicado na França, Noruega e Suíça, esse tributo foi implantado e posteriormente abolido em dez países, entre eles Dinamarca, Alemanha, Finlândia e Suécia. “O sistema não funcionou, por isso, não acredito que o Brasil adote esse imposto no curto ou médio prazo”, afirma José Eduardo Martins, sócio da GPS, gestora do grupo suíço Julius Baer, que possui R$ 19 bilhões sob gestão. A preocupação dos milionários ainda não os fez arrumar malas e conferir passaportes. “Os clientes ainda não venderam os seus ativos, estão aguardando algo mais concreto.”

Porém, isso não quer dizer que não estejam preocupados ou de braços cruzados. Segundo Mauro Rached, diretor de Wealth Management do BNP Paribas, que possui € 300 bilhões sob gestão no mundo, os clientes têm procurado o banco para tirar dúvidas técnicas. Os anseios também bateram à porta da Aditus Consultoria Financeira, empresa atende 27 family offices que, juntos, somam um patrimônio líquido de R$ 20 bilhões. “O grande investidor sabe como funciona a taxação em alguns países e se preocupa como isso pode afetar o Brasil.

Eles sabem que essa tarifa chegará por aqui em algum momento”, diz Leonardo Bortoloto, sócio da Aditus. Enquanto o Congresso não define se o imposto será aprovado, ganha força a possibilidade de a herança ser taxada. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, pediu para a Receita concluir nos próximos dias estudos sobre mecanismos legais e alíquotas a serem cobradas no caso da transmissão de bens. Independentemente do alvo do Leão, certo é que o neto de Alexandre Beldi terá de fazer muitas contas para conseguir preservar o seu capital, de sua família e de seus clientes.