20/01/2023 - 11:59
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chega à marca de 20 dias de governo e fecha essa sexta-feira em reunião com militares das Forças Armadas, acompanhado de aliados do setor industrial. O chefe do Executivo entrou em ‘atrito’ com a instituição militar ao se sentir ameaçado e perder a confiança em membros após os ataques golpistas em Brasília.
Lula tem muito a se preocupar. Como por exemplo os compromissos assumidos no Fórum Econômico Mundial, em Davos; a discórdia sobre meta de juros no Brasil e a relação com o Banco Central; o ataque de proporções desmedidas aos Três Poderes e ameaças constantes ao Executivo; a desconfiança da existência de militares golpistas em seu entorno. Em muitos casos, os atritos, ainda que dentro do jogo democrático, não são favoráveis ao bom andamento da gestão federal. Lula sabe disso. A seguir, listamos alguns desses conflitos, divergências, atritos e preocupações. E o que os analistas veem como solução.
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A desconfiança sobre os militares
Desde os ataques aos Três Poderes, ocorridos no dia 8 de janeiro, o governo federal vem modificando o corpo da segurança presidencial. Alguns dias após os atos golpistas, o presidente endureceu o discurso diante das ameaças. “Eu perdi a confiança, simplesmente. Na hora que eu recuperar a confiança, eu volto à normalidade”, declarou.
Em uma semana, foram afastados 46 militares do Palácio da Alvorada, além de 38 agentes que trabalhavam no GSI (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência).
Nesta quinta-feira, Sérgio Etchegoyen, ex-ministro-chefe do GSI no governo Michel Temer, criticou a declaração de Lula sobre ter perdido a confiança nas Forças Armadas. Para Etchegoyen, a fala do presidente demonstra “profunda covardia”.
“Passado o triste episódio do dia 8, o presidente Lula, comandante supremo das Forças Armadas, dá uma declaração clara à imprensa de que não confia nas Forças Armadas. Como é que se pacifica o País a partir daí? Como é que se pacificam as Forças Armadas, que são uma instituição de Estado com a qual os governos do PT conviveram por 16 anos?”.
“O presidente da República (…) sabe, desde já, que nenhum general vai convocar uma coletiva para responder à ofensa. Então isso é um ato de profunda covardia, porque ele sabe que ninguém vai responder. Ele sabe que ninguém vai contestar o que ele está dizendo. Ou seja, é a velha técnica de procurar culpados”, acrescentou Etchegoyen.
Vale lembrar que o ex-GSI tem forte histórico militar na família – e com características absolutamente contrárias aos princípios de Lula. Leo e Cyro Guedes Etchegoyen, respectivamente pai e tio do ex-ministro, participaram do golpe de 1964 e ocuparam cargos relevantes durante a ditadura. Ambos foram citados pela Comissão da Verdade, acusados de violações aos direitos humanos.
Quem está tentando apaziguar a relação de Lula com os militares é José Múcio, ministro da Defesa. O chefe da pasta foi, inclusive, ‘acusado’ de omissão em relação à segurança da sede do governo federal, que já estava sob ameaça de ataques antidemocráticos antes do dia 8.
Já Flávio Dino, chefe da Justiça e Segurança Pública, declarou em entrevista para a Band News que não crê que tenha havido envolvimento institucional das Forças Armadas ou do GSI nos ataques. “As Forças Armadas, apesar de sofrerem uma ‘tentação satânica’, não deram golpe de Estado”, afirmou.
Juros e Banco Central
Na quinta-feira, 19, Lula deu declarações a respeito do Banco Central e da meta de inflação no país. O chefe do Executivo Federal apontou um descompasso entre a Selic e o IPCA, que mede o aumento dos preços, e disse que “a gente poderia nem ter juros”.
“Qual é a explicação de a gente ter um juros (Selic) de 13,5% hoje? O Banco Central é independente, a gente poderia nem ter juros”, disse Lula em encontro com reitores de universidades e institutos federais na manhã desta quinta-feira, 19, no Palácio do Planalto. “A inflação está em 6,5%, 7,5%, por que os juros (Selic) estão a 13,5%?”, questionou.
Outra crítica foi sobre a indicação de quem comanda o Banco Central. “Nesse país se brigou muito para ter um Banco Central independente, achando que ia melhorar o quê? Eu posso te dizer com a minha experiência, é uma bobagem achar que o presidente do Banco Central independente vai fazer mais do que fez o Banco Central quando o presidente era que indicava”, afirmou o presidente.
Remanescente do governo de Jair Bolsonaro, Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, reagiu ao discurso de Lula. “Eu acho que o mercado seria muito mais volátil se o Banco Central não fosse independente”, disse.
Para Wagner Varejão, economista da Valor Investimentos, a fala ‘balançou’ o mercado financeiro, pois ataca diretamente a separação da instituição com o governo. “O objetivo [do BC] é garantir estabilidade monetária do país. Ele é um importante agente tanto para tomar ações práticas quanto para gerar confiança no mercado de que a meta de inflação do país vai ser seguida. Quando Lula critica essa independência, ele atrapalha essa confiança”, avalia.
“Ter uma política social atuante não são coisas excludentes; para ter política social bem feita, é preciso garantir estabilidade monetária do país. já que a inflação causa a desestabilidade social”, acrescenta o economista.
Aceno para a Indústria
Entre as medidas nos primeiros dias de gestão, uma MP publicada por Lula prorrogou a desoneração da gasolina e etanol até 28 de fevereiro. A decisão foi criticada, por exemplo, pela União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia e o Fórum Nacional Sucroenergético, que afirma que ‘a ausência de tributos na gasolina não encontra paralelo no mundo comprometido com a sustentabilidade’.
A reforma tributária segue sendo defendida pelo governo. Fernando Haddad, ministro da Fazenda, falou no Fórum Econômico Mundial a respeito do tema. Ele declarou que existem propostas circulando no Congresso Nacional visando mudanças em impostos como ICMS, PIS, Cofins e IPI.
“Nós decidimos não reonerar o IPI justamente para sinalizar para a indústria que nós queremos aprovar a reforma tributária. Ela é essencial para buscar justiça tributária e reindustrializar o país, porque a indústria paga hoje quase um terço dos tributos [do Brasil] e responde por 10% da economia”, afirmou a jornalistas brasileiros em Davos, na Suíça.
Em entrevista à GloboNews, o presidente afirmou que pretende chamar a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) para discutir a formação de uma indústria de defesa nacional. O convite foi feito e Lula levou Josué Gomes, presidente da Federação, para estar presente em conversa com as Forças Armadas nesta sexta-feira, 20.
“O Brasil precisa pensar em recuperar a sua capacidade industrial”, disse Lula, lembrando que a indústria já representou no Brasil 30% do PIB e hoje representa de 10% a 11%, ou seja, desapareceu. “A gente tinha empresário nacionalista, com visão de soberania da indústria nacional. Eram empresários que pensavam o Brasil. Isso acabou”, já defendeu o presidente em entrevista.
Após nove trimestres liderando a lista de dores de cabeça da indústria brasileira, a falta de matérias-primas deixou o topo desse ranking no último trimestre do ano passado, sendo substituída pelo velho problema da alta carga tributária brasileira. No quarto trimestre de 2022, 32,1% dos empresários ouvidos pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) citaram o peso dos impostos como um dos entraves à produção, enquanto 31,0% ainda reclamaram da dificuldade em obter insumos. No trimestre anterior, a falta de matéria-prima ainda afetava 38,1% dos entrevistados.
O governo e o agronegócio
“O agronegócio é aliado”, afirmou o presidente Lula durante discurso na COP27, em 2022. Embora tenha tentado trazer o grupo para perto ainda em campanha antes das Eleições, ainda não aceno ao setor.
À frente do Ministério do Meio Ambiente, Marina Silva esteve em Davos e focou na agenda de sustentabilidade, afirmando, por exemplo, que o Brasil tem a capacidade de duplicar a produção agrícola sem necessitar derrubar mais nenhuma árvore. “Esse é o desafio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ministro de agricultura, para a transição para uma agricultura sustentável.”
Da parte de Carlos Fávaro, que assumiu o ministério da Agricultura, é possível trabalhar com o agronegócio forte e sustentável, distante daquele criado com aliados do ex-presidente Bolsonaro. Para a revista Veja, ele afirmou crer na participação de empresários do setor nos atos antidemocráticos em Brasília.
“Lamentavelmente acho que é verdade. Fazem parte daqueles poucos, mas muito raivosos, que não fazem bem ao agronegócio. Aqueles que desmatam e tocam fogo ilegalmente são os mesmos que agora atentam contra a nossa democracia. Eles precisam ser punidos rigorosamente para o bem do agronegócio e do Brasil”, disse.
Lula, aliados e o Congresso
Lula ainda aguarda a formação da base aliada no Congresso Nacional. “O presidencialismo de coalizão brasileiro torna indispensável o ato de se aliar a vários partidos no Congresso. Na última eleição, foi a direita que mais tomou conta das vitórias, como o PL de Bolsonaro, Republicanos, e o próprio PP de [Arthur] Lira”, recorda Cláudio Couto, coordenador do Mestrado Profissional em Gestão e Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas.
“Ao buscar essas alianças com esses partidos ‘distantes’ pode dificultar a manutenção da base, a depender da agenda encaminhada; os aliados podem deixar de apoiar agenda que vá de encontro a suas preferências, portanto, uma coalizão mais instável”, completa Couto.
Desde o primeiro dia de Lula 3, Luciano Bivar afirmou que o União Brasil não faria oposição ao governo. “Não tem demonstração mais explícita do que isso (integrar 3 ministérios). O Partido não vai estar em oposição ao governo”, disse. Os parlamentares do partido – resultado da fusão entre o Democratas e o Partido Social Liberal – estão resistente com a aproximação, e planejam uma reunião no fim de janeiro para tratar do assunto.