07/08/2015 - 20:00
O empresário, acadêmico e bibliófilo José Mindlin, morto em 2010, provavelmente ficaria ruborizado se estivesse vivo e acompanhasse as investigações da Operação Lava Jato. Seu legado foi o de nunca se vergar à corrupção no Brasil, particularmente em uma época em que dizer não à propina poderia significar o fechar de portas de uma empresa. Em suas memórias, Mindlin, conta que à frente de sua empresa, a Metal Leve, fabricante de autopeças , atualmente controlada pela multinacional alemã Mahle, nunca sucumbiu a qualquer tipo de apelo à corrupção.
O que lhe custou ser mal visto durante muito tempo pelos burocratas de Brasília durante o regime militar.“Mostravam dificuldades para vender facilidades”, explicava o advogado Mindlin. A referência eram as infindáveis reuniões nos gabinetes dos ministérios, em Brasília, em busca, principalmente, de desembaraço alfandegário, de guias de importação para a Metal Leve. Mindlin, assim como fazia quando visitava clientes da empresa no exterior, levava livros para as reuniões com os burocratas. Muitos. Literatura brasileira e estrangeira. Amante da obra do escritor francês Marcel Proust, o empresário passava horas a fio nas ante-salas de ministérios e secretarias até que fosse recebido.
“Eles sabiam que a Metal Leve não pagava propina. E me davam um tradicional chá de cadeira, o que era ótimo. Passava horas lendo e relendo livros. Quando as secretárias viam que não havia mais jeito, e o seu chefe estava de saída, era chamado para a conversa sobre o que necessitava”, dizia. “O chato é que às vezes me chamavam em um momento crucial do romance que estava lendo. E tinha de interromper a leitura, o que era muito ruim”, lembrava Mindlin.
A conduta do empresário, que chegou ocupar a Secretaria da Cultura do governo de São Paulo, ia além do “não” aos corruptos de plantão. Diz-se que pelo menos dois empresários se recusaram a patrocinar a tortura da sinistra Operação Bandeirante (OBAN) nos chamados anos de chumbo: ele e Antonio Ermírio de Moraes, do grupo Votorantim. A OBAN foi um centro de informações e investigações montado pelo Exército brasileiro , em 1969, que a coordenava e integrava as ações dos órgãos de combate às organizações armadas de esquerda durante o regime militar.
Mindlin lembrava que a corrupção tem dois lados: o do corrupto e o do corruptor. E uma vez concedida a propina, os achaques não cessam. Ao contrário, se avolumam. “E ceder naqueles anos difíceis, por vezes era um caminho fácil, mas sem volta”, lembrava.
No mundo acadêmico, Mindlin é cultuado pela seu amor pelos livros. Ao completar 95 anos, possuía um acerto de aproximadamente 40 mil volumes em sua biblioteca, que em 2005 se tornaria a Biblioteca Brasiliana Guita (sua esposa) e José Mindlin, instalada no campus da Universidade de Paulo (USP). Ela é hoje considerada a mais importante coleção do gênero formada por particulares. São 32,2 mil títulos que correspondem a 60 mil volumes aproximadamente.
José Mindlin foi um empresário diferenciado, à frente de seu tempo, em cujas memórias credita-se ainda a contratação do jornalista Vladimir Herzog para dirigir o departamento de jornalismo da TV Cultura. Herzog foi assassinado nas dependências do DOI-CODI e poucos empresários se insurgiram contra o fato. Mindlín, contudo, não se esquivou.