Com a altivez e o talento para o futebol que o tornaram rei, Pelé internacionalizou a marca Brasil como ninguém havia feito até então. Soube zelar pela própria imagem e também pela do País que ele representava dentro e fora dos gramados. Apesar de alguns tropeços em relações familiares e de assumir posições nem sempre adequadas sobre temas que não eram sua especialidade, como a política, o eterno craque manteve-se probo em sua vida pública, criando uma percepção mundial de que o povo brasileiro, em sua maioria, é íntegro e gente boa.

Essa imagem de Pelé sobrevive. Já a do Brasil vem sofrendo uma progressiva degradação no exterior desde o início da gestão Bolsonaro. O ex-presidente fez o possível para destruir a cultura, a começar pela extinção do ministério que a ela era dedicado. Na educação, sem projeto algum de melhoria do ensino, criou o palco de transações escusas, ainda não plenamente investigadas. Na saúde, em plena pandemia, sucateou o SUS e o antes eficiente esquema nacional de vacinação. Tudo isso e muito mais foi dramático para o País. Para o mundo, porém, o estrago maior se deu na agenda ambiental, com índices crescentes de desmatamento da Amazônia e de destruição de biomas. Como os efeitos das queimadas e da derrubada de árvores afetam o mundo todo, a imagem do Brasil no mundo ficou a de pária da sustentabilidade.

Para reverter esse quadro não bastam esforços como aumentar a fiscalização de reservas naturais, incentivar programas de manejo sustentável ou voltados para manter as florestas intactas e os mananciais despoluídos. A mudança de narrativa é só parte da solução. Preservar a natureza exige criar alternativas econômicas para as populações que vivem em contato direto com a natureza. E um dos melhores caminhos para fortalecer a economia dessas comunidades é o turismo sustentável. Trazer mais visitantes estrangeiros para conhecer as belezas naturais de todo o Brasil é estratégico. Gera emprego e distribui renda com recursos que vêm de fora.

A necessidade de mudar a perspectiva externa em relação ao Brasil é apenas um dos fatores que tornam o ministério do Turismo altamente estratégico para o governo que se inicia. E, infelizmente, Lula começou mal nesse aspecto ao escolher como titular da pasta a deputada federal Daniela Carneiro. Pedagoga de formação, ela foi a mais votada no Rio de Janeiro em 2022. Ficou conhecida como Daniela do Waguinho por ser casada com o atual prefeito de Belfod Roxo (RJ), Wagner dos Santos Carneiro. Ao que tudo indica, a escolha de Daniela atendeu a uma demanda partidária. A deputada, assim como o marido, é filiada ao União Brasil, partido formado pela fusão entre o Democratas e o PSL, legenda que elegeu Bolsonaro presidente em 2018. Embora Lula possa ter nomeado Daniela na intenção de agradar o presidente do PSL, Luciano Bivar, ainda não está sacramentada a adesão do União Brasil à base governista no Congresso. Bivar pleiteia mais que um ministério. Quer o apoio de Lula para se eleger presidente da Câmara em fevereiro. Até a quarta-feira (4), o petista não havido declarado quem apoiará no pleito.

Até aí, tudo previsível, dentro do espírito toma-lá-dá-cá que há tempos rege as relações entre Executivo e Legislativo no Brasil. Mas há outro problema na escolha de Daniela do Waguinho para ministra do Turismo — e ele nem diz respeito à sua capacidade de gestão ou experiência comprovada no setor. O que maculou o primeiro escalão do governo logo na largada foi o vínculo da ministra com um miliciano condenado por homicídio, o ex-PM Juracy Alves Prudêncio. Em 2018, Prudêncio atuou como cabo eleitoral na campanha de Daniela Carneiro a deputada federal. Ambos apareceram juntos em fotos distribuindo santinhos. À época, o ex-PM já havia sido condenado a 26 anos de prisão, que cumpre em regime semiaberto. Ele também foi citado na CPI das Milícias presidida pelo então deputado estadual Marcelo Freixo, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Hoje filiado ao PT, Freixo foi nomeado por Lula para comandar a Embratur, agência brasileira de promoção internacional do turismo. Parece irônico que os caminhos de Freixo e Daniela tenham se cruzado assim. Mas é triste que um setor tão estratégico seja loteado em cotas partidárias dessa forma.

Celso Masson é diretor de núcleo da DINHEIRO