Antonio Maciel Neto, presidente da Ford do Brasil, tem três anos para apresentar números capazes de arrancar um sorriso do sisudo Jack Nasser, presidente mundial da montadora americana. Até dezembro de 2003, o chefão da Ford quer ver o balanço da filial brasileira, que acumula resultados negativos desde 1995, num reluzente azul. A ordem foi dada há um ano e meio na sede da empresa, em Dearborn. Jack recebeu o recém-contratado Maciel e foi direto ao assunto: ?Você tem até 2001 para reduzir o prejuízo e em 2002 terá de equilibrar as contas. Além disso, quero uma participação de mercado de pelo menos 14% em 2003, rentabilidade compatível com a média mundial e a Ford de volta ao jogo no Brasil?. O recado estava dado e Maciel, que já enfrentou desafios quando passou pelo governo, por estatais e por empresas familiares, assumiu a cadeira principal da montadora em São Bernardo do Campo certo de que ali estava a prova de fogo de sua carreira. Já há, no setor, quem esteja comparando o executivo ao agente Ethan Hunt, principal personagem de Missão Impossível.

A filial brasileira foi responsável por cerca de 80% dos prejuízos do grupo na América do Sul, que, em 1999, somaram US$ 600 milhões. No ano passado, Maciel garante ter estancado metade da sangria financeira. ?Para um pessimista, isso significa que ainda temos muito o que cortar. Para um otimista, como eu, significa um grande avanço?, diz Maciel. Em 2001, o executivo promete reduzir ainda mais o prejuízo e chegar em 2002 com as contas equilibradas, como mandou Jack. Para isso, recebeu uma ajuda importante da matriz: um aporte de US$ 1,5 bilhão. Nas palavras de Maciel, são recursos para ?limpar o passado?. Ao mesmo tempo, o presidente da montadora tenta enxugar ao máximo as despesas. No ano passado, contratou a consultoria A.T. Kearney para fazer um estudo dos custos da montadora. Fornecedores foram chamados para negociar preço, operações como logística foram revistas e o resultado foi uma redução de 20% nos gastos. Jack acompanha todos os movimentos. Tem seus olheiros no mercado e até dentro da filial. O americano Terry De Jonckeere, da Ford América Latina, por exemplo, foi colocado estrategicamente em uma sala ao lado da de Maciel, no prédio de São Bernardo do Campo.

Um novo anúncio de virada da Ford pode soar como déjà vu, algo como ?lá vem aquela história de crescimento de novo?. O sentimento é compreensível. Desde que a Autolatina ? associação entre a montadora americana e a Volkswagen ? virou pó em 1995, a Ford repete o discurso de pisar fundo no acelerador. Mas se até aqui havia um certo conformismo com o quarto lugar do ranking, os últimos movimentos na indústria automobilística nacional não deixam dúvidas da urgência em se fazer a operação resgate. A Ford não pode mais esperar.

Concorrentes no calcanhar, problemas com revendedores, custos altos, imagem arranhada e um certo descrédito por parte do consumidor. Adicione-se a esta lista negra a ausência de um carro popular competitivo ? segmento que responde por mais de 60% das vendas de automóveis no Brasil ? e um burocrático sistema de tomadas de decisão, e se tem o diagnóstico do calvário da Ford. O próprio Maciel reconhece que encontrou uma empresa pouco ágil, em que a estrutura mundial minava o comando brasileiro. ?O Ivan (Fonseca e Silva, ex-presidente) era um homem de marketing e vendas. Nunca teve manufatura, custos, finanças, desenvolvimento nas mãos?, conta. ?Controlar toda a operação é fundamental para qualquer tentativa de recuperação.? Assim que entrou na Ford, Maciel surpreendeu os funcionários com uma ordem inusitada: abolir a gravata. Queria uma empresa, digamos, mais solta. Pode parecer bobagem diante da penca de problemas da montadora. Mas os empregados adoraram. Para eles, o gesto simbolizou os novos tempos e deu uma idéia do que pretendia o novo piloto.

Da gravata, Maciel partiu para o rejuvenescimento da marca. Trabalhou em conjunto com a matriz para mudar o design dos veículos produzidos no Brasil. O Ka, por exemplo, trouxe de volta o público jovem à montadora. A picape Ranger, reestilizada, tornou-se campeã de vendas no mercado nacional. O Ford Fiesta concentrou boa parte da verba publicitária para carros pequenos, ganhou nova roupagem, e teve suas vendas duplicadas ao longo de 2000. Carros mais antigos, como o Escort, vão ganhar, neste ano, versões menos potentes ? e conseqüentemente mais baratas ?, dando lugar a veículos mais modernos. Entre eles, o Focus, líder de vendas no segmento médio do mercado europeu. O carro é uma das grandes armas de Maciel para aumentar a rentabilidade da empresa. Produzido na Argentina, chega ao País para concorrer com o Golf e o Brava na faixa de mercado que mais cresceu nos últimos dois anos e que garante as melhores margens de lucro para as montadoras. A versão mais barata do veículo custa cerca de R$ 30 mil.

Segundo o presidente da montadora, o grande salto virá ainda com os modelos pequenos do projeto Amazon, que serão montados na fábrica de Camaçari, na Bahia, em 2002. A linha de produção baiana começa a funcionar, na verdade, em outubro deste ano. Só que nos primeiros seis meses, a unidade fará apenas a picape Courier. É uma espécie de teste para aquecer os motores antes do ínicio do projeto Amazon. Enquanto os robôs estiverem produzindo a Courier, 400 engenheiros, americanos e brasileiros, estarão trabalhando no desenvolvimento da nova linha. ?O Amazon é uma das últimas esperanças da empresa?, diz Glauco Arbix, professor da USP e especialista no setor automotivo.

A Ford encerrou 2000 com 15% de aumento nas vendas e uma participação de mercado de 9,5%. Trata-se de um avanço, sem dúvida, mas ainda é muito pouco para uma montadora que chegou a ter 20% do setor no início da década de 90. Maciel quer 15% em três anos e se vale de estatísticas em países similares ao Brasil para comprovar que é possível chegar lá. ?Na Argentina, temos 15% e no México, 17%. Não há porquê registrarmos menos do que isto num País que tem os mesmos concorrentes e as mesmas características.? E tome estatística: ?Em algumas cidades brasileiras, temos até 24% de participação. O que quero dizer é que temos sim produtos competitivos, ao contrário do que pensa muita gente por aí, e só nos falta estruturar bem a rede de revendas?. Este é realmente um dos graves problemas da empresa. A montadora sempre viveu em pé de guerra com os revendedores. ?A Ford nunca teve o produto correto para atuar nas faixas mais rentáveis do mercado?, diz Bruno Caltabiano, proprietário da revenda paulista que leva o seu nome. Antes de romper com a Ford, no final de 1998, Caltabiano figurava como o quarto maior concessionário da marca no País. O divórcio culminou com um processo de perdas e danos movido contra ele pela Ford. ?Eles me traíram. Disseram que a rescisão seria tranqüila e depois me processaram?, garante Caltabiano. Apesar disso, ele diz entender a posição da Ford: ?Se eles não tivessem reagido, haveria uma debandada geral?.

No campo das exportações, a montadora pretende aumentar em 15% suas vendas. Está enviando um lote significativo de motores para México, África do Sul, Índia, Estados Unidos e alguns países da Europa. Veículos também vão desembarcar nos portos do México e da Austrália. A idéia de Maciel é fechar 2001 com uma receita de US$ 340 milhões nas vendas externas. Jack Nasser aguarda ansioso os resultados do Brasil. Precisa só é cuidar das vendas no mercado americano. A Ford registrou queda de 14% em 2000. Mas esta é uma outra história.