13/04/2001 - 7:00
Carl Fischer, imigrante que fugiu da Alemanha após a 1ª Guerra Mundial, estava em uma barbearia nos idos da década de 30 quando ouviu no rádio a notícia sobre uma geada que dizimou os pomares da Flórida, nos Estados Unidos. Diz a lenda que Fischer, um modesto apontador do porto do Rio de Janeiro, interrompeu no meio o trabalho do barbeiro, foi até a rodoviária e pegou um ônibus para Matão, pólo de citricultura no interior de São Paulo. Comprou todas as caixas de laranja que encontrou pela frente e as embarcou para os Estados Unidos. Voltou rico de lá. E começou a montar, em 1932, um império que tem hoje três holdings e 17 empresas. A mais conhecida delas é a Citrosuco. Foi assim que o Grupo Fischer, conglomerado de R$ 1,5 bilhão, cresceu ? fazendo questão de manter o anonimato e a estrutura de companhias totalmente independentes. Por isso, jamais esteve listado entre as maiores empresas do País. Nos últimos meses, o grupo, que já era recluso, escondeu-se mais ainda. Amarga a falta de um líder, desde que o filho de Carl, Carlos Guilherme Eduardo Fischer, morreu de câncer em agosto do ano passado, aos 61 anos de idade. Ele e a corporação esqueceram de planejar a sucessão administrativa. Cada uma das holdings e empresas tem um presidente e o grupo é dirigido por vários conselheiros. O modelo lança dúvidas sobre o futuro do conglomerado. ?Com todo esse patrimônio, eles podem ter problemas entre os herdeiros?, acredita o consultor João Bosco Lodi, especialista em sucessão familiar.
Empreendedor como o pai, que morreu na década de 80, Carlos Guilherme teve o mérito de ampliar e consolidar o grupo. Só a Citrosuco contribuiu com R$ 500 milhões em exportações de suco de laranja. Se for contabilizada a produção in natura no Brasil e nos Estados Unidos, a empresa é a maior do mundo no ramo da laranja. Tem um terminal no Porto de Santos e outros três estão instalados em Wilmington e Tampa (EUA) e Ghent, na Bélgica. Mas a Fischer tem mais, muito mais além do negócio da laranja. É dela, por exemplo, o maior pomar privado do mundo com 3.800 hectares de área plantada na cidade de Fraiburgo, em Santa Catarina. De lá saíram 150 mil toneladas de maçãs das 950 mil toneladas produzidas no Brasil no ano passado.
Do total de 64 mil toneladas exportadas, 17 mil levavam a marca Fischer e trouxeram R$ 8,5 milhões em divisas de 19 países. Quem procurar nos supermercados aqueles saquinhos de maçãs da Mônica, a personagem das histórias em quadrinhos, vai encontrar estampada a marca Fischer. ?O pomar emprega duas mil pessoas e outras três mil na época da colheita?, diz Paulo Gonçalves, gerente-geral de vendas da Fischer Maçãs. Na área de sucos e bebidas, o grupo tem uma dezena de empresas entre elas a Citro-Döhler, em Limeira (SP), a Citrosuco Europa e a Citrosuco North America. Para transportar suco de laranja usa dois navios com capacidade semelhante aos de porta-contêineres de 2.200 unidades, os maiores que atracam no País. Outros oito navios fazem parte do patrimônio da Companhia Brasileira de Offshore (CBO), braço do grupo que oferece logística para plataformas em alto-mar. As operações se estendem ainda a terminais retroportuários, indústria gráfica, financeira e fazendas de gado.
Todo esse império ficou com a viúva Maria do Rosário Fischer, as quatro filhas, Bianca, Ana Luísa, Alessandra e Renata, três genros e seis netos. Nenhuma das mulheres participa ativamente dos negócios. Cinco anos atrás, Bianca casou-se com Ricardo Ermírio de Moraes, um dos filhos de Ermírio Pereira de Moraes, do Grupo Votorantim. Ricardo era o presidente da Citrovita, empresa do Votorantim para a produção e exportação de suco de laranja, que faturou no ano passado R$ 148 milhões. Após o casamento, ele assumiu a presidência da Citrosuco, a concorrente maior, e teve de passar a presidência da Citrovita para o irmão Claudio Ermírio. Surgiram até especulações sobre uma possível absorção do Fischer pelo Votorantim.
Mas, ao contrário do Grupo Votorantim, que já vem montando várias holdings com executivos profissionais na direção dos negócios, os consultores de empresas desconhecem qualquer movimento dos Fischer nesse mesmo sentido. Apaixonado por barcos, como o pai, Carlos Guilherme vendeu, quatro anos atrás, os seis navios ? dois graneleiros, dois carga-geral e dois porta-contêiner ? e as rotas da companhia de Navegação Aliança para o grupo Hamburg Sud por valores estimados em US$ 150 milhões. A venda, na época considerada um grande negócio, foi feita quando já começava a luta de Carlos Guilherme contra o câncer. Mas talvez tenha sido um indicativo do rumo que pode ser tomado pelas empresas do Grupo Fischer.